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Yoga, Poesia, cursos, reflexões, pensamentos

Yoga e Liberdade

Liberdade não é fazer o que se quer, é simplesmente contentar-se com o que é.

(Tales Nunes)

Qual, afinal, é o objetivo do Yoga? Para que fazermos tantas ações e criarmos uma disciplina de prática de Yoga? Parto do princípio de que o objetivo de praticarmos Yoga é alcançarmos a liberdade. Mas, se buscamos alcançar a liberdade, é porque não somos livres. Então, o que nos aprisiona?

O mundo, a realidade, é como é. Nós imprimimos sobre ele valores, desejos e expectativas, a tal ponto de podermos dizer que existe um mundo em cada mente humana. Há uma maneira de ver e de interpretar o mundo em cada pessoa.

A nossa mente deve ser uma ferramenta de aprendizado e amadurecimento que possuímos, mas, na verdade, a nossa mente nos possui. Ela nos leva para passear junto com ela em seus altos e baixos. Poderia ser diferente?

Bom, vamos pensar que podemos ter três tipos de posturas em relação à nossa mente: reativa, reflexiva e contemplativa.

Como, porém, podemos ser algo em relação à nossa mente, se nós somos a mente? Primeiro devemos entender que não somos a mente, que a mente é parte de nós. Quando realizamos isso, começa o caminho para a liberdade.

Uma mente reativa

Os valores que cada um de nós possui são construídos a partir do tempo, do local e da circunstância em que estamos inseridos, assim diz a psicologia, a sociologia e a antropologia. Cada uma dessas disciplinas dá ênfase a um determinado aspecto da formação da identidade do ser humano, seja social ou individual.

O Yoga, por sua vez, inclui outro fator não comumente falado pelas ciências do homem: os efeitos produzidos por vidas passadas, que têm influência sobre o que vivemos hoje. A idéia é que nascemos nesse local, nessa família, nesse período, justamente por influência de ações anteriores ao nascimento[1]. O objetivo deste artigo não é discutir o que acontece antes do nosso nascimento, ou após a nossa morte, mas o que acontece no meio.

Nascemos numa família, com pais e irmãos que vão se relacionar conosco de determinada maneira, que vão nos influenciar de um jeito, de modo tal que vamos construindo nossa identidade a partir desse relacionamento e de outros que vão além da nossa família e incluem as relações com nossos vizinhos, com outras pessoas que vivem na cidade e no país em que residimos.

Depois de começamos a falar, seja qual for a língua, nasce dentro de nós uma vozinha que irá nos acompanhar pelo resto da vida. Uma vozinha que olha para o mundo exterior e se identifica, qualifica, julga o mundo bom ou ruim de acordo com os gostos e aversões que se desenvolverão e se arraigarão dentro de nós ao longo do tempo.

Nós somos estimulados a construir a nossa identidade a partir da ilusória idéia de autonomia, pois a sociedade em que vivemos idolatra esse valor. É inculcado em nós o desejo intenso de sermos diferentes dos outros, de querermos uma roupa que seja diferente, um carro, um celular que seja a nossa cara. A idéia de sermos diferentes dos outros está tão fortemente arraigada que, quando encontramos alguém vestido igual a nós, sentimo-nos constrangidos. Por quê? Porque desejamos ser diferentes. Desejamos possuir uma história de vida que seja única e contar essa história de vida com todo o orgulho e apego.

Assim, então, criamos as nossas identificações com certas coisas e as nossas desidentificações com outras, formamos a nossa personalidade, os nossos apegos e aversões. E quanto mais o tempo passa, parece que mais nos apegamos a essa construção. Quanto mais realidade damos à nossa idéia de identidade, mais grudados nos tornamos aos condicionamentos, padrões mentais, emocionais. E a vozinha interna, a própria voz do ego que torna todas as experiências auto-referentes, ganha mais força de realidade, a ponto de acharmos que somos apenas a nossa personalidade.

Apegados a essa vozinha interna, reagimos constantemente perante os outros, perante a vida, ao invés de agirmos de acordo com as circunstâncias. Queremos que o mundo e as pessoas sejam como nós desejamos. Sentimo-nos presos pelo mundo porque a nossa felicidade depende dele e tentamos controlá-lo à nossa maneira. Ou seja, sentimo-nos presos pelo mundo e pelas pessoas e ao mesmo tempo tentamos aprisioná-los.

Uma mente reflexiva

Uma mente reflexiva é uma mente capaz de olhar para si mesmo, para esse constante movimento, com o mesmo olhar imparcial com que olhamos para os fenômenos externos a nós. Tal mente permite vermos que é ilógico ter como referência de nós mesmos aquela mente oscilante.

A nossa mente trabalha fazendo conexões, encadeamentos, tendo como matéria um conteúdo que acumulamos ao longo do tempo: memórias do que vimos, ouvimos e vivemos: a nossa própria história de vida. A nossa história de vida pode ser resumida na nossa reação de aproximação do que desejamos, o que achamos que nos faz bem, e da reação de afastamento do que não gostamos, do que achamos que não nos faz bem.

Mas se pararmos e olharmos para o nosso eu relacional, a nossa personalidade, vemos que é completamente mutável. Aquilo de que gostamos hoje, desgostamos amanhã, o que nos faz feliz hoje, amanhã se torna um problema. Estou alegre, estou triste. Estou calmo, estou com raiva. Estou bem, estou mal. A mente sempre vai variar entre esses estados, “bons” e “ruins”. E se estamos identificados com o conteúdo da nossa mente, quando a mente estiver bem, eu estarei bem e o mundo todo parecerá estar perfeitamente bem. Porém, quando a mente estiver mal, eu estarei mal e o mundo inteiro parecerá estar errado.

As qualidades das coisas não estão nas coisas, estão em nós mesmos. Nós imprimimos sobre o mundo os nossos valores. As coisas e as pessoas em si não têm qualidade de nos aprisionar, de nos tornar felizes, tristes ou raivosos. Vendo isso, abstemo-nos de culpar os outros pela nossa infelicidade, pela nossa falta de liberdade, ou o que quer que seja. Ninguém e nada tem esse poder, pois somos nós mesmos investimos as pessoas e as coisas desse poder. Esse reconhecimento é a grande qualidade de uma mente reflexiva, pois traz para si mesmo a responsabilidade pela própria felicidade, sem julgamentos, pois não é justo conosco nos julgarmos com base num estado momentâneo da mente. Esse estado, amanhã, pode ser completamente diferente. E nós não temos controle nem poder sobre como nós podemos ser ou como podemos estar amanhã ou daqui a duas horas.

A compreensão de que é ilógico julgarmos os outros e nós mesmos confere-nos liberdade, aceitação e relaxamento para sermos o que devemos ser no momento e as outras pessoas a serem do jeito que são.

Uma mente contemplativa, uma mente livre

Se somos capazes de olhar para o que pensamos ser o nosso verdadeiro eu como objeto, é porque existe algo mais que é sujeito. Ou seja, é porque existe algo mais dentro de nós que não é apenas uma personalidade formada de gostos e de aversões e que constantemente reage diante das situações impostas pelo mundo. Uma mente contemplativa é capaz de perceber uma presença silenciosa além de seus próprios ruídos, além da vozinha interna constantemente a conversar. É uma mente que tem a capacidade de permanecer tranqüila diante da agitação, serena diante da tristeza, pois reconhece em si toda a paz e plenitude que antes buscava fora, nos objetos externos.

Ao criar esse distanciamento em relação aos seus próprios movimentos mentais, reconhece a desidentificação com a própria história de vida e todos os dramas que a mente cria para nos aprisionar. Quando viajamos de avião, vemos todos lá embaixo, bem pequenos, e todos os dramas (trânsito, chateações, apegos, anseios) parecem também ficar bem pequenos, exatamente porque neste momento temos a visão do todo e não a visão centrada em nós mesmos e nos nossos pequenos conflitos diários.

Uma mente contemplativa é uma mente livre, livre de si mesmo, pois apenas nós mesmos temos a capacidade de nos aprisionar. Ao se ver livre das identificações com o conteúdo mental, com os dramas pessoais, há a possibilidade de rir de si mesmo, de não se levar tão a sério. Quando estamos dentro de um cinema, assistindo a um filme, emocionamo-nos e identificamo-nos com os personagens e até mesmo choramos. Mas a todo o momento não perdemos a consciência de que aquilo não é real, é uma ficção, uma encenação. Assim também é a vida, mas, quando estamos apegados a ela, não conseguimos reconhecer que a vida é um grande espetáculo, muito bem orquestrado e pensado, como o filme.

Uma mente contemplativa, livre, reconhece e, assim, aprecia. Aprecia tanto a vida, todos os aspectos da criação – a natureza, os animais em sua imensa e bela variedade e formas -, como aprecia a si mesmo, os seus próprios estados mentais, sejam eles considerados bons ou ruins, como parte do mesmo Todo; como manifestações da Consciência que aprecia brincar com as formas e com o movimento. A vida é feita de luz e de movimento constante. O que nasce hoje já tem a sua morte anunciada e dela o surgimento de algo novo. Cabe a nós apenas apreciarmos esse belo espetáculo que é a vida. Para isso, é necessário discriminação, desapego e aceitação. Discriminação para saber que todos os objetos que os nossos sentidos possam apreender são perecíveis, porém a nossa essência é eterna. Desapego para que possamos contemplar as mudanças, internas e externas. E aceitação para acolher a si mesmo e ao mundo como eles se apresentam.

Termino reafirmando: “Liberdade não é fazer o que se quer, é simplesmente contentar-se com o que é”.

Tales Nunes vive e estuda em Florianópolis.

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