por Tales Nunes
A meditação não deve estar separada de uma vida meditativa. No capítulo 06 da Bhagavad Gita Krishna apresenta o Yoga como um meio de preparação da mente, como um estilo de vida que conduz ao autoconhecimento. E a meditação faz parte desse estilo de vida. Este artigo pretende refletir sobre o objetivo da meditação e sobre a diferença entre a meditação sentada, como uma ação isolada, e a atitude meditativa, que é uma postura que engloba toda uma vida de Yoga.
Achamos que a meditação tem como objetivo aquietar a mente, produzir uma tranquilidade, um estado de paz e nada mais. Então sentamos imóveis cheios de expectativas de que aquilo vai produzir um grande efeito sobre nós mesmos a ponto de nos tornar pessoas melhores. No entanto se o ato de meditar estiver isolado de uma vida meditativa e de uma compreensão da nossa real natureza, o ato de meditar será apenas um momento de relaxamento ou nem mesmo isso, pode se tornar uma extensão dos nossos conflitos diários.
A natureza da mente é de constante transformação, dinamismo. Quando paramos para meditar observamos esse fato claramente. E muitas pessoas se frustram ao se deparar com a natureza da própria mente, pois acham que meditar é ter uma mente sempre tranquila. No entanto, se a mente não fosse dinâmica não seríamos capazes de atravessar a rua, nem mesmo conseguiríamos compreender o que as pessoas nos falam. Sequer falaríamos com desenvoltura. Estaríamos sempre em busca das palavras que chegariam a nossa mente sempre atrasadas. Que bom que a natureza da mente é dinâmica! É isso o que a faz um instrumento perfeito para o aprendizado. Na meditação nós não queremos mudar a nossa mente.
Qual é o objetivo da meditação, se não é mudar a mente ou trazer um estado de paz e de tranquilidade? O objetivo da meditação é o próprio objetivo do Yoga, que está claramente colocado no Yoga Sutra: yoga chittavrttinirodhah, “Yoga é a desidentificação com os movimentos da mente”, para que reconheçamos a nossa real natureza. Nós nos vemos como a mente e os seus aspectos: o ego, o intelecto, a memória. Achamos que somos o que pensamos, o que sentimos, o que desejamos, o que achamos do mundo. E o Yoga, de maneira surpreendente, diz-nos que nós não somos o que sempre pensamos ser e que esses aspectos de nós mesmos são instrumentos de conhecimento, de aprendizado e amadurecimento. A causa do nosso sofrimento, diz o Yoga, é exatamente a nossa identificação com esses aspectos limitados de nós mesmos. Essa é uma afirmação forte e que requer maturidade para se compreender.
Como, então, mudar a nossa postura em relação a nossa própria mente? Para nos desidentificarmos de algum objeto, primeiro precisamos saber qual é esse objeto, reconhecê-lo. É exatamente aí que entra a meditação sentada. A meditação sentada é uma ação, um exercício que funciona como um meio de desenvolvermos a auto-obervação. Na meditação sentada nós reconhecemos condicionamentos mentais e emocionais, olhamos para eles e os aceitamos. Existem coisas que nós podemos mudar em nós mesmos, faremos o esforço necessário para tal, mas existem coisas que não podemos mudar, então trabalhamos para aceitá-las. Mas primeiro precisamos reconhecê-las. O primeiro passo é o reconhecimento, o segundo a aceitação. Se não aceitamos a nós mesmos, não conseguimos aceitar os outros. Não conseguimos relaxar.
Dentro dessa auto-observação, não apenas aprendemos a olhar para nós mesmos, como também percebemos que existe um espaço entre nós e os pensamentos (Japa, por exemplo, é um excelente exercício para isso). Mas a prática de meditação como observação da mente, apenas, não revela quem somos nós fundamentalmente, não liberta. É dessa prática, aliada ao escutar, o refletir e o meditar sobre o conhecimento, que surge um reconhecimento, uma mudança cognitiva em relação a maneira como nos vemos. Não é um conhecimento qualquer, é o conhecimento do Yoga e de Vedanta presente nos Shastras (Upanishads, Bhagavad Gita, Yoga Sutra), que nos dizem que o nosso eu fundamental não é a mente, mas a Consciência, Atma, que é livre de limitação, que é plenitude. Aos poucos, trocamos a ideia de que somos limitados, incompletos, pelo reconhecimento de que somos plenos e completos. E que nós já somos a felicidade que tanto buscamos fora de nós. É um processo de compreensão e de assimilação, que inclui não apenas o entendimento do que é o indivíduo, mas do que é o Todo e como eu me relaciono com ele.
Ao longo do processo de assimilação desse conhecimento, relaxamos, pois abrimos mão da atitude de querermos controlar o mundo e as pessoas pela nossa necessidade de ser feliz. Nós abrimos mão dessa atitude de controle a partir da compreensão de que existe uma Ordem que governa o Universo que independe da nossa vontade. Essa compreensão traz um estado de paz e de aceitação de nós mesmos e das situações ao nosso redor. Atenção, questionamento, discriminação, desapego são fundamentais nesse processo. Desapego1 não apenas em relação a objetos externos, mas em relação até a imagem que temos de nós mesmos com a qual estabelecemos uma relação de identidade desde muito cedo na vida.
A contemplação, que é a atitude meditativa, é a capacidade de ver e de reconhecer a nossa natureza fundamental, que está além dos pensamentos e das projeções. E a contemplação não depende da meditação sentada, ou de pranayama. O foco não é a meditação ou o desapego, o foco é adquirir os meios para que a meditação e o desapego aconteçam a todo o momento, naturalmente. Nós, diariamente, através das nossas ações cotidianas, damos meios para que a mente seja contemplativa. Entendemos circunstâncias e experiências para que possamos abrir mão de coisas que estamos apegados e reativos. A atitude contemplativa, meditativa, é equivalente ao amor. Assim como não podemos dizer, agora vou ter uma mente meditativa, não podemos dizer, agora ame essa pessoa.
Essa mente meditativa tem a capacidade de contemplar qualquer coisa. Pode contemplar-se como plenitude, e assim ter a liberdade de apreciar qualquer outro assunto. Uma vida de Yoga nos conduz a uma mente meditativa. Porque à medida que agimos, refletimos sobre se a ação foi adequada ao todo e não apenas a minha vontade. Quando o resultado da ação vem, compreendemos que ela vem de acordo com uma Ordem maior que me engloba, aceitamos e tentamos não reagir, mas agir. Assim aprendemos como funciona a nossa mente e aprendemos a estar presente em todas as ações. Isso é compreensão, é Karma Yoga.
O verdadeiro yogi, o meditador, é um renunciante, pois ele tem essa atitude mental perante a vida. Uma atitude de não reação, de desapego em relação aos seus desejos e aversões. O yogi é aquela pessoa que abandonou as fantasias da mente. Ou seja, é a pessoa que dominou o Yoga, que obteve os resultados do Yoga: uma mente livre das suas próprias armadilhas. A pessoa que conquistou Yoga é uma pessoa que consegue renunciar a qualquer coisa que aconteça na sua mente, pois abriu mão da identificação total com ela.
Para conquistar uma mente meditativa, é necessário levantar o olhar sobre si mesmo. Não se olhar como incapaz, infeliz, incompleto. Elevar-se, não se deixar afogar nas fantasias da mente. Ter discernimento e vê-la como um amigo. O pior inimigo que você pode ter é a sua própria mente, diz Krishna. Amigo é aquele que soma, que contribui. A mente amiga é aquela que descobriu uma distância em relação a si mesma, aceitou-se e assim conquistou maestria sobre si.
Para isso, é importante reconhecermos que meditação não é uma ação específica, não é uma coisa que fazemos apenas em um determinado momento, sentado imóvel. Tampouco é a tentativa de parar de pensar ou de transformar a mente. A meditação é uma consequência de uma série de fatores, que inclui toda uma vida de Yoga. Envolve questionamento e compreensão, adoção de valores, estudo, ação, desapego, contemplação e reconhecimento.
* Artigo originalmente publicado na edição 27 dos Cadernos de Yoga.
Tales Nunes vive e estuda em Florianópolis, onde edita os Cadernos de Yoga.
www.cadernosdeyoga.com.br