É normal que choremos sem saber ao certo a razão. É normal que sintamos um vazio de sentido. É normal que doa, por uma sensação de distanciamento. É normal. Pois somos todos órfãos. Somos órfãos até que nos reconheçamos filhos, somos órfãos até que reconheçamos nossa mãe, somos todos órfãos até que nos reconheçamos irmãos.
Todos nós temos uma mãe, mas poucos a reconhecem. E não reconhecê-la, é como não tê-la, a sensação no coração é de falta, de carência, de ingratidão, apesar dela estar ao nosso redor, fornecendo, doando tudo o que precisamos, todas as nossas necessidade e muitos, muitos de nossos desejos luxuriosos também.
Nós nascemos do útero da terra, você não vê isso? O útero de sua mãe, essa que lhe gestou na barriga durante meses é um veículo, um portal para a sua chegada nesse plano. Mas seu próprio corpo pertence a algo maior que o sustenta, que o nutre silenciosamente e que permite que você cresça em seu ventre. A sua mãe também teve uma mãe e a mãe dela também teve uma mãe e assim sucessivamente, até que cheguemos à nossa matriarca original, nossa verdadeira sustentadora, a Terra. Que não apenas nos gesta, mas nos acolhe, nos alimenta, nos sustenta e nos ensina a amadurecer, através de todas as suas forças e inteligências.
Reconhecer-se filho é perceber-se acolhido neste lugar em que você está. Sentir-se acolhido no corpo, sentir-se acolhido no próprio coração, sentir-se acolhido e pertencente à terra. E a partir disso, ter uma atitude de retribuição amorosa pelo que ela nos oferece. O maior cuidado que podemos oferecer à Terra é reverência e a permissão que ela seja quem ela é. Ela nos pede que sejamos quem nós somos e celebremos amorosamente esse reconhecimento. Nada mais justo que ofereçamos o nosso coração em retribuição.
Mas o que estamos fazendo é o oposto. Em busca de algo que não sabemos ao certo o que é, a partir de uma carência que parece ser inerente, o desejo de preenchimento se torna frustração, por não conseguir realização, e agressividade, então ferimos, sugamos, destruímos o corpo que nos sustenta. Na ilusão de controle e de separação, perdidos, não reconhecemos aquela que tudo nos doa, tudo nos oferece, não nos reconhecemos como filhos. Consequentemente, não nos reconhecemos como irmãos e competimos incessantemente uns com os outros. Nossa humanidade ainda está por nascer na maioria de todos os que nasceram.
Somos realmente crianças esquecidas e ingratas. Quando os colonizadores europeus chegaram ao “novo mundo”, julgaram os povos que ali viviam de “infantis” ao verem a forma viviam. Como se eles tivessem uma inteligência de uma criança pela forma como se relacionavam com a natureza, como se vestiam e como viam o mundo. Um pensamento animista, diziam, como se fosse uma forma infantil de ver o mundo. Descobrimos, séculos depois, vendo onde o estilo de vida usurpador nos trouxe, onde essa tal “razão” nos conduziu, que esses povos detém uma sabedoria, uma inteligência muito mais apurada do que a nossa, uma inteligência mais sensível, mais integradora na forma como se relacionam com a Natureza.
Reconhecer-se filho é igualmente acordar para a realidade de que somos todos irmãos, independente de nossas diferenças. Somos formas diversificadas de expressão de uma mesma matriz. Precisamos aprender a conviver harmoniosamente a partir de um olhar mais ampliado. Um olhar de constante lembrança de que não estamos separados. Precisamos urgentemente aprender com as visões de mundo que nunca esqueceram de que a Terra é viva, a Terra é mãe e assim deve ser reverenciada. Somos filhos, somos uma família e estamos de passagem, com o privilégio de estar aqui compartilhando momentos de integração e de aprendizado juntos.
Esse é o único reconhecimento que nos libertará da sensação de falta, do vazio existencial, da falta de sentido e da dor do isolamento. Você está amparado, sempre esteve. Você tem, você é todo o Amor que busca em seu coração. É essa a lucidez que as forças da Terra irão lhe conduzir para que reconheça, mesmo que seja através da dor. A mãe quer que os filhos despertem, que a filha se torne mulher, que o filho se torne homem, que se tornem inteiros.
Tales Nunes
Floripa, 27 de fevereiro de 2017