Quatro Perguntas sobre Yoga e Meio Ambiente
com Tales Nunes
Praticante de Yoga desde 1997 e professor desde 99, Tales Nunes mudou-se de Aracaju (SE) para Florianópolis com dois objetivos claros: fazer um curso de formação em Yoga com o uruguaio Pedro Kupfer, radicado no Brasil e referência no setor, e Mestrado em Antropologia na UFSC.
No Mestrado, o tema foi o significado da experiência corporal em praticantes de Yoga.
Atualmente, ele ministra aulas na capital catarinense e edita, junto com a esposa, Christine Gabler, os Cadernos de Yoga, publicação trimestral em que, na forma de artigos e debates, vem fazendo uma correlação direta entre a prática yogi e a preservação ambiental.
AmbienteBrasil fez a Tales Nunes quatro perguntas. Confira.
AmbienteBrasil – No artigo Yoga e Ecologia, de autoria do yogi norte-americano David Frawley, ele diz que “nós não podemos verdadeiramente pensar ou viver como yogi sem ser de uma forma ecológica”. De que maneira o conceito do Yoga pode ser benéfico à preservação dos recursos naturais?
Tales Nunes – Yoga é um estilo de vida. E como um estilo de vida, propõe uma conduta ética que é balizada por valores chamados de yamas. Entre estes, está a não-violência e o desapego. Existem outros valores yogis, mas a incorporação de apenas esses dois no nosso dia-a-dia é em si um ato revolucionário, um ato de transformação coletiva.
Compreender o que é desapego e incorporar esse valor nos mostra que podemos levar uma vida muito mais simples do que levamos. Ajuda-nos a ver os bens materiais de maneira mais objetiva, colocando o valor de uso acima do fetiche. E isso faz com que tenhamos a lucidez para consumirmos menos, o que significa poupar a natureza e poluir menos. Por sua vez, viver a não-violência é fundamental para que preservemos e tentemos evitar causar dano a qualquer tipo de manifestação de vida.
E como ferramenta de transformação, o Yoga nos oferece, também, uma ampla gama de práticas corporais. A partir da consciência do nosso corpo, da nossa respiração, do espaço que ocupamos no mundo, o Yoga ajuda a nos conectar com os ritmos e as forças da natureza. Além disso, o Yoga nos coloca numa postura reflexiva, por meio da meditação, sobre qual é o nosso papel individual e social na vida. São muitos os relatos de praticantes de Yoga que mudaram completamente o seu estilo de vida, simplificando-o.
AmbienteBrasil – De que maneiras?
Tales – São muitos os relatos dos que pararam de comer carne, que largaram seus trabalhos, pois estes não faziam mais sentido em suas vidas (muitas vezes por serem trabalhos eticamente questionáveis) ou que saíram da cidade e foram morar junto à natureza. Outras são histórias de yogis que permaneceram nas cidades, mas engajaram-se em trabalhos sociais ou ambientais.
Em Curitiba, temos um grupo de yogis engajados na campanha a favor do uso da bicicleta e do movimento “Jardinagem Libertária”, em prol de uma ocupação mais humana dos espaços públicos urbanos. Estas são pessoas que fazem a diferença e não esperam pelo poder público para realizar as mudanças que o nosso planeta pede hoje. A transformação que precisamos realizar é muito mais urgente do que a aparelhagem estatal consegue efetivar. E é justamente nesse ponto que entra o Yoga, tocando as pessoas e mobilizando-as a mudar, a fazer diferente, a fazer mais consciente.
AmbienteBrasil – O livro Green Yoga (Yoga Verde), de Georg e Brenda Feuerstein, traz dicas de ações amigáveis ao meio ambiente, entre as quais economia de água e energia. Essas dicas, em geral, são disseminadas em qualquer palestra ambientalista. Qual seriam as peculiaridades de tais práticas dentro de um universo yogi?
Tales – Hoje a causa ambiental está em cena. Empresas que poluem, exploram e degradam o meio ambiente apresentam uma imagem de responsabilidade social e ambiental. Outras tantas usam esse filão para vender mais dos seus produtos. O que é um paradoxo, pois quanto mais consumimos, mais degradamos. Ou seja, está na moda ser “ecológico” e nós sabemos exatamente o que fazer, coletivamente e individualmente, para minimizar os danos que estamos causando no nosso planeta.
Porém, parece haver um fosso enorme entre a teoria e a prática. Esquecemos que as grandes transformações são feitas a partir de pequenos atos cotidianos. E assim seguimos querendo mudar o mundo, com o discurso mudado, totalmente consciente, porém sem querer abrir mão de muitos dos nossos confortos.
Vejo o Yoga, nesse sentido, como um educador, um disciplinador. Um disciplinador do nosso corpo, ensinando-nos a nos alimentarmos melhor e a consumirmos alimentos de boa procedência (que agridam o mínimo o meio ambiente e que sejam saudáveis ao nosso corpo). Um disciplinador da nossa mente, refreando os nossos desejos, ensinando-nos que consumir não nos faz mais felizes, como nos insistem em inculcar as propagandas. Acredito, portanto, que o Yoga pode promover a ponte entre a teoria e a prática, justamente pela disciplina física, mental e emocional que promove.
AmbienteBrasil – Uma das dicas do livro estimula a adoção de uma dieta vegetariana – ou ainda sua versão mais radical, a vegan. Isso não seria um tanto questionável para quem mora nas grandes cidades e tem à disposição, quase sempre, apenas hortaliças cheias de agrotóxicos?
Tales – Uma das razões do nosso planeta estar na situação de degradação atual é o nosso antropocentrismo. A nossa idéia equivocada de que podemos controlar a natureza. Achamos ser uma espécie superior às demais e vemos a natureza como “recurso”, que está aí para nos servir e ser usado por nós para suprir os nossos desejos que, vale ressaltar, não são necessidades, são luxos. E por causa disso, os espaços naturais foram reduzidos. E antes o que nos englobava, florestas, vegetação natural, foi por nós englobado, cercado, demarcado, restringido.
A nossa ciência entende e manipula aspectos isolados da natureza. O todo, a compreensão global, o encadeamento de causas e conseqüências mais distantes e a longo prazo, nos é, na maior parte dos casos, desconhecida, ou no máximo especulada. Compreendendo isso, disse Goethe: “A natureza reservou para si tanta liberdade que não estamos em condições de competir com ela em toda a sua extensão ou de acossá-la com o nosso saber e nossa ciência”.
A filosofia yogi traz consigo essa consciência. Que é a consciência de unidade entre todas as manifestações de vida, entre nós e a natureza. E, a partir disso, não comer carne não nasce de uma atitude de ativismo ambiental – apesar de hoje haver argumentos de preservação ambiental suficientes para pararmos de comer carne -, mas de uma atitude de reverência a todas as manifestações de vida, de respeito à natureza.
E mesmo sendo vegetarianos, estamos às avessas com o que escolhemos para nos alimentar. Quando moramos em cidades e não produzimos o nosso próprio alimento, perdemos o controle sobre a cadeia alimentar. Os alimentos chegam a nossas mãos praticamente prontos. Assim, perdemos também a consciência sobre todo o processo de produção do alimento. É isso que faz com que a criancinha que vive na cidade se sinta maravilhada ao descobrir que o ovo vem da galinha. Ou que faz com que ela ignore que a carne que ela come vem do mesmo bichinho que ela vê nos desenhos animados da televisão.
Esses são exemplos grotescos. Mas o fato é que hoje é difícil monitorar como é produzido o que comemos. Especialmente no nosso país, onde não podemos confiar nos órgãos públicos reguladores que deveriam garantir a qualidade do que é produzido. Cabe a nós buscar, vegetarianos ou não, pesquisar e procurar consumir alimentos frescos, de preferência não industrializados e de pequenos produtores locais, para podermos saber a origem do que nós consumimos. Acredito que se fizermos isso, já estamos fazendo muito. Consumir consciente é uma das forças de reivindicação que nós temos.