(Uma das reflexões presente no livro “O esquecimento do Ser”)
O fato de que nos transformamos constantemente, de que a vida é impermanente, é uma constatação fácil de se fazer. O nascimento, o envelhecimento e a morte deixam isso evidente.
Ao se questionar sobre a Vida, a grande pergunta que o Yoga se faz é: em meio a tudo o que se transforma, existe algo que permanece? Esse é o questionamento fundamental das Upanishads, textos seminais do Yoga.
A resposta do Yoga é “sim”. Há algo que simplesmente é, uma pura presença que é eterna e sempre a mesma.
Cecília Meireles também cantou o eterno em seus poemas. Cantou-o como a “luz nas cores”, como “uma verdade silenciosa e sem palavras”, “como aquilo que não tem fim e que é tu mesmo”. No livro Cânticos, seus poemas parecem cantos das Upanishads, vislumbres do Ser. Em breve escreverei um texto mais longo relacionando Upanishads e Cecília Meireles.
Por ora ressalto que o eterno cantado, seja em Cecília Meireles ou nas Upanishads, não é negação do mundo ou do devir. O Ser, como pura presença, não é contrário ao devir. Para refletir sobre isso trago uma citação de Aldous Huxley presente no livro “As portas da percepção”, em que ele se admira ao contemplar simultaneamente, numa flor, o que é, o eterno, e o que passa.
“uma transitoriedade que era, não obstante, vida eterna; um perpétuo perecer que era, ao mesmo tempo, puro Ser; um feixe de particularidades minúsculas e irrepetíveis em que, por um paradoxo inefável, ainda que autoevidente, era possível vislumbrar a fonte divina de toda a existência.” (“As portas da percepção”, Aldous Huxley, p.16, 2015)
Essa percepção, do eterno no passageiro, ou do passageiro no eterno, não é algo que possa ser entendido conceitualmente, teoricamente, é algo a ser contemplado na mente e no mundo. É uma cognição, como diria Alfous Huxley, uma pura percepção. No Yoga, a meditação e a reflexão são os veículos.
A relação “Shiva e Shakti”, presente nos textos tântricos são, portanto, uma forma de representar esses dois aspectos de uma realidade una. Os textos não querem dividir a realidade entre masculino e feminino, mas fazer-nos contemplar aquilo que é naquilo que passa, e aquilo que passa no que é. E não há nada mais belo do que representar ambos unidos numa relação amorosa. Afinal de contas, o reconhecimento da realidade a partir desse olhar, é puro deleite. A poeta indiana do período medieval, Lal Ded, sábia e belamente canta essa apreciação.
“Eu, Lalla, entrei
no portão do jardim da mente e vi
Śiva unido à Śakti.
Eu estava imersa no lago de infinito deleite.
Aqui, nesta vida,
eu me libertei do ciclo
de nascimento e de morte.
O que pode o mundo fazer comigo?”
(Lal Ded, p.84)
(Tales Nunes)