Do silêncio
a forma se deu
à presença.
Não nascemos,
nos damos
ao aberto.
[Tales Nunes]
A Terra é o suporte do nascimento do corpo. O silêncio é o chão da Terra. Ela gira ao redor do Sol, dançarina, flutuando no espaço incontido do silêncio original.
Caminhamos sobre ela, essa esfera brilhante. O corpo é casa que o ser habita, o ser é casa em que o corpo se dá à abertura. Eu não caminho em direção a um lugar, eu caminho no aberto. A clareira, que é céu e centelha em meu peito, é o sentido que me enraíza no chão. Estou aqui hoje, amanhã não sei o que se dará à vista. Desvendarei. Onde quer que meus pés toquem, neste lugar aprendo a amar e sinto… sinto o que nasce e o que passa.
Ser nômade, para mim, não é estar aqui hoje, amanhã estar em outra cidade e depois em outra. Ser nômade é descobrir essa abertura onde posso permanecer e sentir o que toco, onde estou. Experimento o nomadismo em meu corpo, nos movimentos que o perpassam, nas sensações que nascem numa prática de Yoga e ainda assim, não mudei de cidade, de casa ou de país. O nomadismo que vivencio no corpo ou caminhando na Terra, não tem sentido de uma linha. Não tem a ânsia do desconhecimento ou o desejo de alcançar. O meu nomadismo tem a beleza da espera, é esfera e encontro.
O caminhar sem o sentido de espera nada toca.
O caminhar sem a amplitude do silêncio nada encontra.
Eu te escuto correr, meu amigo, e te escuto chamar essa ânsia de nomadismo.
Eu te sinto fugir, meu amigo, e te vejo chamar essa fuga de nomadismo.
O nômade ama o lugar que toca e cria um vínculo inexorável com o chão e com o céu aberto. Nômade é uma palavra sagrada, ela indica um devoto do ser e da Terra. O nomadismo é demora e reverência ao caminhar, ao sentir, ao encontrar.
Como ser reverência sem ser vínculo de cuidado com lugar algum?
Como ser reverência sem ser abertura no corpo, sem ser corpo no chão?
Como ser reverência sem ser silêncio?
Como ser nômade sem ter os pés plantados no chão de algum lugar na Terra e no coração?
Você sente a chuva que cai, que escorre e se derrama no chão?
Você sente o cheiro doce que brota da terra molhada?
Você sente as nuances das cores sob o céu cinza repleto de nuvens carregadas de água do mar?
Você escuta os pássaros se aninhando nas árvores que balançam movidas pelo vento que leva e traz?
Nomadismo é permanência no movimento para apreciar a beleza onde se está.
Tales Nunes
*Imagem de autor desconhecido
