• Search
  • Lost Password?
Yoga, Poesia, cursos, reflexões, pensamentos

A busca por uma perfeição projetada, a busca por Deus

por Tales Nunes

Nascemos completamente desamparados. Dos animais da natureza, o ser humano é o que mais tempo necessita do amparo de seus progenitores. Precisamos, por anos, da tutela de nossos pais para crescer. Que não sejam os nossos pais, necessariamente devem haver pessoas que cuidem de nós, que estejam ali, amamentando-nos, de alguma forma nos alimentando e nos protegendo.

Quando crianças, nossos pais são o nosso mundo, o aconchego, o amparo. Depositamos toda a nossa confiança neles. Não apenas isso, projetamos uma imagem idealizada de perfeição. Nossos pais são nossos deuses quando somos crianças. Mas, na prática, como todas as pessoas, nossos pais são falíveis, passíveis de erros e limitados. Quando crescemos um pouco mais e começamos a entender o mundo ao nosso redor, percebemos a falibilidade dos nossos pais. Nas brigas, nas faltas, nas limitações. E a imagem idealizada que guardávamos deles, cedo ou tarde, desmorona, perdem o alicerce de fantasia que a sustenta, pois a realidade se põe mais forte aos nossos olhos.

Então seguimos com algo que nasceu conosco e que pode nos acompanhar por toda a vida: a nossa projeção de perfeição e de segurança sobre os outros. Os nossos pais foram apenas um veículo da nossa idealização por algo maior do que nós, que nos englobe, nos proteja e que seja perfeito. Então trocamos, jogamos a nossa projeção em outra pessoa, escolhida pelos nossos olhos carentes a buscar alguma característica de perfeição para se agarrar. Um primo, um irmão, um tio, um professor podem ser escolhidos. Mas também não dura muito, a proximidade logo nos faz perceber que essas pessoas igualmente são falíveis, imperfeitas e concluímos que não podemos confiar totalmente nessas pessoas também. Da mesma maneira que não podemos confiar totalmente em nossos pais.

Como este espaço não pode ficar vazio, mais uma vez é facilmente preenchido novamente por ídolos um pouco mais distantes, por isso muito mais enfeitados pela minha desesperada imaginação. São os super heróis dos desenhos animados. Estes sim, são perfeitos, protetores e de fato posso depositar a minha total confiança. Mas essa projeção não dura muito. É por demais infantil e à medida que a criança cresce, os heróis saem do seu dia-a-dia e ficam guardados num local secreto da imaginação, assim como o boneco num cantinho do armário. A criança percebe que o mundo dos heróis de desenho animado não é o mundo real. E que nos momentos mais difíceis o herói não pode ajudar na prática, mas apenas na imaginação.

Os heróis dos quadrinhos então caem e dão lugar a novas pessoas idealmente perfeitas, mas que devem ser um pouco distantes de nós para que não as vejamos completamente. São cantores, atores, jogadores de futebol. São os novos heróis. Pessoas que ganham o status de perfeitas e superiores. Talvez agora não perfeitas absolutamente, mas uma perfeição que preenche certo aspecto da vida que eu valorizo. São os novos Deuses construídos por nós para nos sustentarmos, porque parece difícil demais se sustentar por si só. Então precisamos de uma imagem idealizada de uma habilidade ou um caminho, para sabermos onde podemos chegar, onde talvez somos capazes de chegar, mesmo que seja na minha imaginação.

Esses ídolos podem nos acompanhar por anos a fio, preenchendo a nossa busca por algo melhor do que eu, algo maior do que eu, que possa me proteger e até mesmo me guiar. Mas até estes podem insistir em se mostrar e não mais se sustentar pela capacidade que tem de me frustrar. De fato ninguém tem a capacidade de me frustrar, é a minha expectativa exagerada que me frustra. Mas o fato é que cedo ou tarde o reconhecimento de que todo e qualquer ser humano é imperfeito e limitado chega. Com isso pode vir a descrença nas pessoas. A incapacidade de confiar e a necessidade de desconfiar de todos. Pode faltar chão, faltar referência de um caminho a se seguir.

É aí que entra Deus, o Todo Poderoso, aquele em quem posso realmente confiar, como diz a célebre frase nas notas de dólar: “In god we trust”. Será que posso realmente? Parece que posso confiar até quando não há uma grande frustração. Quando há uma dor profunda no coração muitas vezes a pseudo confiança se torna revolta. Esse Deus que parecia ser confiável, por ser o Todo Poderoso, vejo-o como o mesmo que pode me castigar. E porque me castigar se eu me entreguei a ele, confiei nele? Parece traição! Esse é um raciocínio comum de ser usado para essa relação com Deus. Isso acontece porque essa relação não é diferente da que estabelecemos anteriormente nas outras projeções, que envolveu frustração. Essa projeção é tão fantasiosa quanto a que criamos com os super heróis. Esse deus imagético, projetado, não existe e hesito em reconhecer isso. É a pior das desilusões. A pior das frustrações.

Qualquer imagem que eu crie de Deus, como uma pessoa, como um ser extra-mundano, super poderoso que, como meu pai e a minha mãe fizeram quando eu era pequeno, irá me proteger, é uma grande fantasia. Deus não protege ninguém, não dá valor maior a ninguém, não tem mais apreço por um do que pelo outro. Deus não é uma pessoa como nós, com as nossas limitações, parcialidades, sempre desejosos por encontrar uma perfeição inalcançável. A perfeição da vida é Deus. Mas não é essa perfeição idealizada por nós, que está fundamentada na não aceitação da nossa limitação. Deus é a perfeição do Universo, é o próprio Universo e todas as leis que o sustentam, a ordem que permite que tudo exista em constante transformação. Deus é o mundo, e o mundo me inclui, não adianta procurar fora dele ou fora de mim mesmo. Qualquer imagem que eu procure fora do mundo para ilustrar essa perfeição que eu fundamentalmente sou é uma projeção. Sou perfeito para viver essa vida e para descobrir essa verdade de Deus em mim e em tudo. Meu corpo é perfeito porque possui uma ordem intrínseca nele, assim também é a minha mente, limitada em termos de memória, de raciocínio, de aprendizado, mas perfeita nela mesma.

Reconhecer a nossa limitação dentro do Universo, a limitação das outras pessoas e perceber que nisso há uma ordem perfeita é descobrir Deus em tudo. É abrir mão de buscar eternamente por algo que é inalcançável, uma perfeição absoluta e uma proteção pessoal. O Universo me protege através das suas leis, que são impessoais e estão sempre de acordo com uma ordem perfeita e não de acordo com a minha vontade. A ordem perfeita é a lei de causa e efeito, de ação e reação que me entrega de volta sempre de acordo com o que eu dou. Não há como se frustrar com alguém ou com Deus tendo essa visão em mente, pois ela tira toda e qualquer pessoalidade de Deus. O Universo é impessoal. Eu projeto nele a minha pessoalidade, as minhas necessidades e interesses.

Reconhecendo essa perfeição em tudo, consigo acolher todas as pessoas e coisas exatamente como são e ganho o maior dos amparos, a maior das proteções, que é o reconhecimento da ordem perfeita do Universo atuando a cada momento, independente da minha vontade. Então, qualquer imagem que eu use para me relacionar com Deus, torna-se uma escolha, uma representação parcial de Todo o Universo. Assim como toda pessoa que porventura eu venha a reverenciar, por admiração ou respeito, torna-se uma representação de uma habilidade, de uma qualidade que eu cultivo e não uma projeção fantasiosa em busca de uma perfeição inalcançável. Deus se torna mais real e presente na minha vida, assim como a vida se torna mais clara e objetiva.

Tales Nunes

08 de março de 2010

Written by
Tales
View all articles
Leave a reply

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Written by Tales