por Tales Nunes
Precisamos de algum tipo de transcendência do ego. “Transcender” no sentido de nos sabermos mais e nos sabermos menos. No sentido de não nos sabermos, de nos desgrudarmos de todos os sentidos para tocar o vazio.
Como vivemos numa sociedade ególatra, presa à fala, essa abertura se torna difícil. Os espaços seguros, rituais, onde o ego era colocado em questão dão lugar ao culto à autoimagem. Então, o anseio por transcendência se converte em ansiedade, muitas vezes em angústia, depressão e medo. Busca-se algum tipo de paliativo para lidar com a sensação de não encontrar saída. Encena-se a transcendência, encena-se a entrega. Surgem profetas prometendo os meios de encontro. “Eu sei o que você não sabe, vou lhe dizer o que é o amor, vou lhe dizer o que é a Vida, venha, me siga, siga a minha devoção”.
No fundo, porém, quem segue a devoção alheia, apesar da breve sensação de segurança, sabe que não está em uma dança genuína. Não se dança a dança do outro, assim como não se encena o prazer. A tentativa de encenar o prazer aumenta a angústia. Antes que o corpo se entregue ao corpo, o prazer não será real. Antes que a vida se entregue à Vida, o prazer não será genuíno. O prazer é fruição, o sentimento da Vida fluindo no corpo e além dele, o reconhecimento da Vida como movimento mágico. Nesse sentimento e na sua forma de tocar a Vida, está a sua devoção.
A entrega ritual experimentada nesse lugar sagrado onde o ego é transcendido no vazio criativo original, é uma possibilidade de se libertar do desencanto. Você não precisa seguir fala alguma. O ato sagrado de amor entre um corpo e outro é o ato sagrado de amor ritual entre o corpo e a Vida. O ato sagrado de amor entre o corpo e a Vida é o ato sagrado de amor ritual entre um corpo e outro.
Todos os ensinamentos se dissolvem no amor ritual e nele a Vida ganha seu sentido real de devoção, a relação direta entre você — pura abertura — e a totalidade.
Tales Nunes
