O seu brilho está além da Lua e do Sol que carrega em seu peito.
(Tales Nunes)
por Tales Nunes
Para o Tantra, o corpo é um microcosmo do Universo. A consciência que sustenta o Universo inteiro é Una, não separada e não separável. A realidade última da existência é não dual. A sua manifestação, contudo, é dual. A dualidade é a aparência, o corpo de Śakti. De Brahman, do uno, Śakti manifesta-se em toda a sua diversidade, variedade, e beleza. A dualidade manifesta-se a partir dos guṇas e dos cinco elementos. Quente e frio; inércia e movimento; claro e escuro; masculino e feminino. E se assim é no Universo, assim também é no corpo. Somos pura consciência, não separada, una. Mas ao mesmo tempo somos o corpo, a energia do corpo e a mente, resultado de Brahman + Mayā.
Portanto, a energia que sustenta o universo, Śakti, sustenta também o nosso corpo. A aparente dualidade presente no Universo, manifesta-se igualmente no nosso corpo físico, sutil e na nossa mente. O nosso corpo é um microcosmo. Dentro dessa visão, o canal de energia, nādi, Piṅgalā carrega no corpo a energia solar, enquanto Iḍā carrega a energia lunar. Ambas são igualmente associadas a dois rios. Piṅgalā é Yamunā no microcosmo, que é o nosso corpo, enquanto Iḍā é Gangā.
A origem de ambas é o primeiro chakra. No kanda mūla, que é a raiz de todas as nādis. O kanda começa dois dedos acima do ânus e termina dois dedos abaixo do umbigo. Tem cerca de quatro dedos de largura. Pode ser estimulado através do períneo. Lá está a fonte de energia potencial no nosso corpo, Śakti. E que se manifesta de diferentes formas a depender do centro sutil. Kuṅdālinī é aquela que mantém todos os seres do mundo pela inspiração e expiração.
Essa energia se divide no corpo através das nādis. É dito que existem 72 mil nādis em todo o corpo. Todas elas dependem da força vital, estão conectadas à respiração e percorrem todo o corpo e além dele. Dentre todas, porém, três são as mais importantes Suṣumnā, Iḍā e Piṅgalā.
Do chakra básico elas se alternam da direita para a esquerda e da esquerda para direita, serpenteando em torno dos chakras. Outros textos e autores dizem que elas se cruzam nos chakras. Iḍā parte do testículo direito e termina na narina esquerda. Piṅgalā parte do testículo esquerdo e termina na narina direita.
De acordo com outra explicação, a posição delas é de dois arcos em cada lado da medula espinhal. Elas alcançam o espaço entre as sobrancelhas, o ājña chakra, entram em Suṣumnā, canal central, fazendo um nó entrelaçado dos três chamados muktatrivenī.
As duas serpentes são associadas também ao sistema simpático e parassimpático do nosso sistema nervoso. Sendo Idā associada ao sistema parassimpático, enquanto Piṅgalā ao sistema simpático.
O esplendor, ou aura, em torno de iḍā pode ser vista como semelhante à lua, azulado pálido. E Piṅgalā, vermelho. Kuṅdālinī aparece como um fogo dourado intenso esbranquiçado, enrolada como numa espiral.
Iḍā, pálida, também e chamada de śaśī (lua). É associada ao rio Ganges. Tem a natureza feminina. É fria e úmida. Esta a esquerda do corpo. Corrente lunar negativa.
Piṅgalā, vermelha, também chamada de mihira (sol). É associada ao rio Yamunā Tem a natureza masculina. É quente e seca. Corrente solar positiva.
Suṣumnā é o canal central da coluna. Seu nome significa “a mais graciosa”. Tem início no chakra básico e ascende verticalmente até o topo da cabeça. É conhecida também como “caminho da libertação”. Algumas nādis mais importantes do corpo terminam no Ajña chakra. Este canal, contudo, vai até o Sahaśhāra chakra, o centro da consciência. Por isso esse canal é tão importante.
Como espelho do macrocosmo, Iḍā e Piṅgalā são responsáveis pelo ciclo de sono e de despertar do indivíduo, Lua e Sol. Enquanto Suṣumnā está associada ao Ser, que perpassa os três estados de consciência. Iḍā e Piṅgalā também são responsáveis por tensões fundamentais na mente do indivíduo. Algumas pessoas têm Iḍā mais ativa, outras Piṅgalā. Um dos objetivos da prática é equilibrar essas duas serpentes, para que a pessoa se centre, Suṣumnā. O que se expressa através de clareza mental, harmonia, lucidez e percepção da unidade da vida.
Tales Nunes