Capítulo III – A atitude na ação
Arjuna estava querendo ir embora, renunciar. Por que Arjuna queria renunciar? Por que ele falava tanto na renúncia? Porque quando ele observava a ação parecia que ela só criaria problemas.
Fazendo a ação a pessoa fica amarrada ao resultado da ação, primeiro a ação tem que ser correta, porque se for inadequada a pessoa sofre porque essa é a lei do karma. Eu faço a ação, tenho que esperar o resultado da ação, tem a minha expectativa na ação e nem sempre a minha expectativa se cumpre, aí eu fico frustrado, meu desejo fica atravessado, eu fico com raiva. Parece que a ação e os desejos me trazem junto um monte de problemas.
Ele havia recebido o ensinamento que fala da natureza plena e completa de si mesmo, conhecimento que liberta a mente do desejo de ser feliz, que de fato liberta a mente dos desejos. Arjuna então pensou que se ele ficasse na montanha longe dos objetos que ele não teria desejos e faria menos ações e essa seria a solução. Arjuna disse “Kṛṣṇa é muito mais fácil eu ir para um aśram, para montanha, para uma caverna é uma vida muito mais simples é uma vida melhor se eu virar um renunciante, eu tenho certeza que eu vou ser mais feliz”
E Arjuna continua tentando convencer Kṛṣṇa ”Você já me ensinou, eu escutei o conhecimento, lá vai ser muito melhor para assimilar esse conhecimento porque eu vou poder meditar, vou assim assimilar mais o conhecimento. Mas eu não sei o que acontece com você Kṛṣṇa, que não me deixa ir”.
Kṛṣṇa antes disso tudo, no capitulo 02 já tinha dito “Se você for para guerra e se você for morto, você vai para um lugar especial onde vão aqueles que cumpriram seu dever e vai usufruir de um tempo por lá. Se você ganhar a guerra você vai então poder usufruir dessa terra como um grande herói”.
O que Kṛṣṇa mostra aqui é que de qualquer maneira Arjuna cumprindo o que tem que ser feito, ele terá algum ganho, portando, ele deve se levantar e se prepar para a guerra. Todas as ações trazem ganhos e perdas. Não há ações que tragam resultados absolutos, apenas ganhos ou apenas perdas.
“Arjuna não fique aí pensando o que vai ser melhor ou pior, levante-se e pare de ficar aí se lamuriando!”.
Arjuna começa o capitulo 3 dizendo “se você diz que o conhecimento é tudo, que o conhecimento é aquilo que vai liberá-lo, então porque você diz para eu fazer essa ação terrível? Você parece que está querendo me confundir!”.
Kṛṣṇa, então vendo essa confusão entre ação e renúncia em Arjuna, do cap 3 ao 5 responde que é impossível uma pessoa ficar sem fazer uma ação nem que seja por um segundo. Nós respiramos , falamos , pensamos, não temos como nos afastar para não fazer nada, isso não é possível. O verso 04 deixa isso muito claro: “A pessoa não alcança o estado de não-ação através da não execução de ações. E tampouco ela alcança a liberação final através da mera renúncia”.
Ele fala a Arjuna, portanto que fazer a ação é muito melhor do que não fazer a ação, porque não fazer a ação é deixar de cumprir com os seus deveres.
Kṛṣṇa explica então que existem dois estilos de vida para adquirir a liberação: para os yogis, Karma Yoga; e para os renunciantes, sannyāsa. Aqui Karma Yoga é falado. Mas o verso 47 cap. 02 é que define realmente Karma Yoga.
Entre esses dois estilos de vida, a ação é melhor porque dá uma possibilidade de lidar com os seus ragas e dveṣas. O problema não está na ação, o problema está nos gostos e aversões.
Karma Yoga
Não existe presente melhor na vida do que uma mente amiga, uma mente com uma organização, uma mente não reativa. Essa é a mente que tem uma atitude de Karma Yoga. Há dois momentos diferentes que se deve ter uma atitude de Karma Yoga.
1) Karma Yoga em relação à ação
2) Karma Yoga em relação ao fruto da ação (prasada Budhi)
As ações tem 2 aspectos, um visível e outro invisível:
Eu jogo uma caneta em alguém, o aspecto visível é que a caneta saiu da minha mão e foi até a cabeça de alguém.
Agora o aspecto invisível foi a minha intenção por trás da ação.
Se a minha intenção foi positiva, eu acumulo mérito (puṇyam).
Se a minha intenção foi negativa, eu acumulo demérito (papām).
Mesmo que todo mundo pense que eu fiquei louco de jogar a caneta em alguém, se a minha intenção era de alguma forma ajudar a outra pessoa, o resultado da minha ação vai ser mérito em meu nome.
Se todo mundo achasse que a minha intenção era a melhor possível , mas se a minha intenção era de agredir a pessoa jogando a caneta , mesmo assim eu recebo o resultado negativo.
Você pode enganar qualquer pessoa, menos a ordem do universo.
Todo mundo tem uma conta bancaria de karma, chamada de sancita karma. Essa conta tem credito (puṇyam) e debito(papām) e junto com isso tem as minhas tendências. Essa conta existe a partir do acúmulo de várias vidas. Uma parte vai se manifestar nessa vida que é chamado de prārabdha karma (aquilo que foi começado). Tem uma série de coisas que eu tenho que viver, com algumas facilidades e com algumas dificuldades. Nós temos a capacidade de livre arbítrio, mas dentro de um limite que é determinado por esse prārabdha karma. Tem algumas coisas que nessa vida não existe a possibilidade de você fazer, ninguém me proíbe, mas pela minha personalidade tem coisas que não passa pela nossa cabeça, é impossível para nós.
Nossa livre escolha está dentro do que é o nosso prārabdha karma.
Constantemente a gente está esvaziando a conta bancária e constantemente a gente esta nutrindo essa conta bancária. Quando alguém diz que para se libertar você tem que deixar de fazer as ações para zerar a conta, isso é impossível, porque alguma ação você vai ter que fazer.
Fazer somente ações boas também é impossível porque existem situações em que a gente tem que escolher entre o ruim ou o pior ainda. Não tem como a vida ser perfeita e viver só fazendo coisas positivas. Ainda que fosse possível fazer só ações positivas, o máximo que poderia acontecer é que eu iria acumular mérito, isso não iria me libertar.
O ciclo funciona da seguinte forma, surge o desejo pela felicidade, desse desejo fazemos a ação, depois recebemos o resultado da ação. O resultado da ação pode ser ótimo e durante algum tempo você fica muito bem, mas depois de um tempo você vai dizer que esta faltando alguma coisa. Faltando alguma coisa, vem o desejo por uma nova ação e o recebimento do resultado da ação. Tendo como base a ignorância esse processo é chamado de saṁsāra.
Quando vai chegando a hora da morte, todos os pensamentos que a gente nutre no momento final da nossa vida, será o gatilho par a próxima. Na próxima vida você engata exatamente onde você deixou.
Para a liberdade não é preciso mudar a ação, a ação continua a mesma. Se você trabalha pode continuar trabalhando, se você tem uma vida de família com filhos pode continuar, você pode continuar morando, onde mora não importa. O que muda não é o mundo lá fora, o ambiente, mas a atitude com que você faz a ação. Essa atitude é chamada de Karma Yoga.
É essa atitude que vai dar a capacidade de amadurecimento da minha mente, que é a capacidade de conviver com as situações agradáveis e desagradáveis, uma situação que você esperava ou não esperava. A capacidade de manter a mente em equilíbrio recebendo tudo aquilo que vem. Esse tipo de mente é o campo fértil para esse conhecimento florescer, essa é uma mente amiga.
Então, de acordo com o que Kṛṣṇa ensina a Arjuna, Yoga é todo um estilo de vida que faça com que minha mente se torne mais objetiva e capaz de lidar com as situações com equilíbrio. Outra atitude frente as ações é o que kṛṣṇa explica no verso 50 “Yoga é a perfeição na ação” é a capacidade de escolher atentamente as minhas ações. Yoga é então essa perfeição na ação. Perfeição aqui é fazer conscientemente a escolha e de forma adequada. Essa capacidade de agir deixando de lado os meus desejos quando eles não estão de acordo com o dharma, isso então é Karma Yoga.
Essas duas práticas vão dar a minha mente a capacidade de agir objetivamente. Então, sem reagir, e com toda objetividade eu lido com cada situação que me aparece dia-a-dia.
Arjuna escuta o ensinamento e pergunta, no verso 36, o que muitos de nós nos questionamos:
“Então, ó Kṛṣṇa, uma pessoa, mesmo não desejando, como se [ela] fosse dirigida por uma força, impu-lahionada pelo que executa pāpa [uma ação que não deveria fazer]?”.
Kṛṣṇa responde nos dois versos seguintes:
“Este é o desejo, esta é a raiva, nascido do guṇa rajas [da qualidade de movimento da natureza]. Saiba que, aqui neste mundo, este é o inimigo, o grande devorador e realizador de pāpa”.
A seguir diz: “Assim como o fogo é encoberto pela fumaça, o espelho pela poeira e o feto pelo ventre, da mesma forma o conhecimento é encoberto pelo desejo”.
*Resumo feito por Tales Nunes a partir das aulas da Essência da Gītā da professora Gloria Arieira.