A razão desmembrou o corpo. A razão materializou o corpo para depois desmaterializá-lo. Hoje o corpo é mais encontrado na tela do que na pele.
Estamos perdendo a referência do corpo como um território de permanência e de passagem, como um lugar sagrado. Não a referência estética, visual, mas a referência de sentimento, de presença no corpo em todas as suas sensações. De reconhecer a liberdade de estar no corpo e se permitir passear por todas as emoções que nele circulam. Elas não são nocivas, são forças, inteligências da natureza que nos ensinam a viver. Quanto mais nos alienamos do corpo em nome de uma razão distante, mais o corpo se torna um território hostil.
Pior do que o medo é o medo do medo, pior do que a raiva é a raiva da raiva. Pior do que qualquer emoção é o julgamento que fazemos dela e a tentativa de afastamento. Então o medo pode se tornar pânico; a tristeza, depressão; e a sexualidade, força desconhecida que domina ou que deve ser dominada.
O corpo é um território em que forças em fluxo estão se movimentando. Antes mesmo de darmos nome a esses fluxos, eles já existem como uma lembrança de que todas as forças da natureza estão em nós. Podem ser assustadoras, prazerosas, mas não podemos negar que são poderosas. São extensões dos fluxos da natureza, tem a força dos elementos, da terra, da água, do fogo, do ar e do espaço. Movimentos que pedem integração, dentro e fora. Apenas quando integrados podemos permitir que sejam potências e não apenas forças amedrontadoras que devemos dominar ou que nos dominam.
Para isso, precisamos urgentemente de uma pedagogia da afetividade que nos desaliene de nossos sentimentos e do nosso corpo. E possamos entender, com a profundidade do coração, que a razão é apenas mais uma força que está presente no corpo, não é a rainha. Se limitarmos a inteligência à razão, o que chamamos de inteligência pode se tornar uma fuga do corpo e deixar de ser pensamento integrador. Existem inteligências surpreendentes nos fluxos da natureza, nos fluxos sutis do corpo. Ao perder a intimidade e o reconhecimento com esses fluxos que percorrem o corpo, não apenas perdemos a referência do corpo como um local seguro, como um lugar de passagem, de permanência e sobretudo de aventura, junto perdemos o nosso potencial intuitivo, afetivo e muito de nossa empatia.
Ao fugir do corpo, perdemos o contato com o coração. Perdendo o contato com o coração, nos alienamos de nossa maior riqueza.
Toda o legado do Hatha Yoga nasce da confiança na inteligência do corpo. E confiar na inteligência do corpo é acreditar na sabedoria presente em todas as forças da Natureza.
A prática de Hatha Yoga hoje em dia, para nós, não é apenas é um resgate do corpo, é igualmente o resgate de um reconhecimento do sagrado em tudo, um caminho de aceitação plena que passa pelo corpo. Um veículo de transmutação através das forças que o corpo concentra e que nos conduz, num fluxo de consciência, ao vislumbre do Universo inteiro presente no Coração.
Tales Nunes