por Tales Nunes
Atualmente vivemos uma exigência gritante de ser algo mais. Por mais coisas que tenhamos conquistado, sempre parece haver mais a conquistar. O agora se torna insatisfação, enquanto a satisfação é deslocada para um futuro que não chega. A imagem que se tem de si aparenta sempre uma incompletude, como se vivêssemos buscando uma pincelada final para nos tornarmos, então, uma obra de arte realmente apreciável. Diante de tais exigências, o Yoga de fato se torna uma incrível ferramenta de transformação pessoal. Não necessariamente a partir de mais uma demanda em ser diferente, mas do relaxamento e da aceitação de ser quem se é. Apenas quando aceitamos plenamente o que somos é que podemos saber aonde de fato queremos chegar.
Pessoas lindas, inteligentes, capazes e realizadas em diferentes âmbitos da vida, chegam até nós buscando um alívio com o Yoga. Algumas sequer sabem do que é o alívio que almejam, apesar de convergir frequentemente em um descanso para uma mente tensa, que cobra de si mesma sempre mais para alcançar uma perfeição que só existe na própria exigência. Idealização criada a partir de diversas forças ao redor, família, televisão, revistas, etc. É preciso ter uma profissão perfeita, um relacionamento amoroso incrível, uma casa impecável e um corpo mais ainda. Em meio a tantas imposições, pouco espaço interno sobra para a contemplação, para a simples apreciação de si e do mundo ao redor como ele é, despertando para a criatividade espontânea que advém da descoberta de um espaço de conforto em si mesmo.
Quando comecei a praticar Yoga me deparei com a pretensão de ser mais flexível, de alcançar uma plasticidade na postura conforme um amigo, que tinha um corpo muito mais elástico que o meu. Achava que um dia teria um corpo flexível e plástico como o dele. Para isso dedicava cerca de três horas diárias de prática de Haṭha Yoga. Apesar disso, tal flexibilidade nunca chegava, nunca de fato chegou. Tempos depois, com mais conhecimento anatômico do corpo, vim saber que nunca chegaria devido ao formato dos meus ossos, que limitam o movimento em minhas articulações. Isso não me impede e nunca me impediu de praticar Haṭha Yoga, mas conduziu-me à consciência de que a prática é única, porque cada corpo é ímpar em suas habilidades, limitações, anseios e desejos.
Assim como eu era, enquanto iniciante, vejo hoje muitos alunos que alimentam exigências excessivas em relação ao próprio corpo na prática de Haṭha Yoga, alguns deles, inclusive, já consideraram deixar de praticar por não alcançarem “a postura Ideal”. Ou mesmo por portarem alguma limitação física, que os levam a acreditar numa incompatibilidade com a prática de Haṭha Yoga, o que na maior parte dos casos não é real. O meu papel como professor, então, é mostrar que a prática é muito mais ampla do que a sua ânsia pessoal está conseguindo vislumbrar naquele momento. É exatamente devido a autoexigências exageradas que muitas pessoas que começam a praticar Yoga chegam à conclusão de que “o Yoga não é para mim”. Ou pior, a afirmação de que “eu não sou para o Yoga”. Por diversas questões psicológicas de resistência à autodescoberta, algumas pessoas podem chegar à conclusão de que o Yoga não é para elas e, sem investigar a própria inércia, findam escapando da prática. Mas o fato é que o Yoga está sempre disponível, como ferramenta de autoconhecimento, para qualquer pessoa, com qualquer corpo, em qualquer lugar. Muitos alunos novatos, depois de meses de prática, por não atingirem o ideal de “postura perfeita”, me perguntam “quando estarão praticando de fato”. Respondo, prazerosamente, que estão praticando desde o primeiro dia.
Essas são exigências comuns ligadas ao corpo, mas outros dilemas podem vir à tona na prática, como a cobrança de ser um yogi ideal. Essa expectativa pode ser construída a partir de um professor que se tenha como espelho, em quem a ideia de perfeição possa ser projetada, assegurando em si a fantasia de que um dia alcançará a ilusória perfeição. Agora talvez essa perfeição não consista mais num corpo flexível ideal, mas numa vida de ausência de erros nas ações diárias, de não errar com as pessoas, de não errar nunca nos valores do Yoga, de ser agradável e pacífico sempre, ou seja, um yogi perfeito, acrobático não nos ásanas, mas na vida. Pior fica quando esse professor, espelho, ostenta a postura de detentor dessa vida ideal. Quando isso acontece, cedo ou tarde, alguém cair do pedestal. Pois tais exigências são igualmente impossíveis. Mesmo que tais metas fossem palpáveis, não seriam realizáveis a partir de imposições tensas, mas de um espaço natural de compreensão e de conforto consigo mesmo, de autoaceitação. Portanto, mais uma vez é da liberdade de padrões rígidos de autoexigências externas que estamos falando. Não existe uma vida ideal, existe a vida que cada um pode e deseja construir para si mesmo.
Se, como professores, cumprirmos o papel de vozes de repressão e de autoridade em perfeição na mente de nossos alunos, seja por nossas exigências pessoais transferidas para eles ou pelas deles projetadas em nós, o Yoga deixará de ser um veículo para a abertura de novos espaços de criatividade e de conforto em cada um. O espaço de prática de Yoga, por mais que haja esforço sobre si mesmo, disciplina, tapas, tem como objetivo fundamental a liberdade. O propósito é ultrapassar as próprias barreiras, físicas e emocionais, para então, reconhecer em si um lugar livre do precisar ser algo além do que se é. Liberdade nunca é imposta, é descoberta. Portanto, antes de tudo, é importante que o espaço da prática de Yoga seja um espaço de acolhimento, no qual cada um descubra seu próprio espaço de aconchego em si mesmo, livre de qualquer necessidade de ser diferente, para que possa, se oportuno, se fazer transformado, tecendo novas formas de ser no mundo, não livre dos conflitos que a vida coloca, mas com a apreciação e a arte de descobrir seus próprios caminhos.
Tales Nunes
Florianópolis, 17 de julho de 2014.