por Tales Nunes
O tempo é matéria
primorosa.
O que se faz dele, decerto
é arte!
(Tales Nunes)
Acostumamos a perguntar aos outros “oi, tudo bem?”, mais por conveniência do que realmente por interesse. Não fazemos a pergunta realmente atento a ela e à resposta. Mas se nos atentarmos às repostas que obtemos com esta pergunta notaremos que a frase mais comum de se escutar é: “na correria”, “cheio de coisa”, “na luta”. Essas frases têm um pano de fundo em comum. Por mais que muitas vezes a resposta indique que a pessoa está bem, indica também que ela está sem tempo, que está fazendo muita coisa, que está correndo atrás de coisas, resolvendo problemas.
De fato, atualmente parece que estamos sempre em débito em relação à quantidade de tempo que temos disponível. Direcionamos boa parte do nosso tempo e da nossa vida na busca de segurança material. Mas a noção de segurança é relativa. Para uma pessoa pode ser ter um apartamento, para outra pode ser ter dez apartamentos. Em certos momentos da vida, então, posso me dar conta de que por mais que a minha conta bancária esteja positiva e eu tenha conquistado muitas coisas, ainda não me sinto seguro. E em troca, a minha conta de tempo parece estar sempre negativa.
Nós dividimos o tempo. E nessa divisão marcamos os dias e os horários de trabalho e de lazer. De segunda a sexta-feira, são considerados os dias úteis. Sábado e domingo, que teoricamente deveriam ser dedicados à contemplação, ao lazer, mas cada vez menos o são; são considerados dias inúteis? O lazer, a contemplação, o tempo com a família são inúteis? Quem colocou isso na nossa cabeça?
Hoje em dia somos educados e estimulados a ser bons profissionais, a ganhar dinheiro, a consumir, a poupar, a garantir uma segurança material, a competir. Porém, não somos ensinados a usar o nosso tempo para sermos bons pais, bons filhos, bons cidadãos. Todos nós carregamos internamente um sentimento de inadequação e de insegurança e a tendência de nos compararmos com outras pessoas. Quando crianças, somos totalmente dependentes dos outros. Olhamos para nós mesmos e nos sentimos incapazes, pois nos comparamos com os adultos. Então olhamos para os nossos pais e depositamos a nossa confiança neles. Na nossa cabeça eles são infalíveis. E à medida que o tempo passa, vemos que os nossos pais são falíveis e limitados, como nós. Essa é a perda de confiança primordial que contribui e tende-nos a perder a capacidade de confiar nas pessoas e até em nós mesmos.
Com a perda dessa confiança nos pais, tendemos então a depositar a nossa confiança em super-heróis, em astros de rock ou em um deus sentado em algum lugar, enquanto esse sentimento de inadequação e de insegurança nos acompanha quando adultos. Esses fatores psicológicos, individuais, aliados ao estímulo social à competição e a nossa exposição constante ao paradoxo: consumo x poupança, impu-lahiona-nos a dedicar os nossos esforços quase que mecanicamente em trabalhos, com o objetivo de adquirir coisas e de mantê-las. Nós somos bombardeados por propagandas que nos estimulam a comprar, comprar, comprar para sermos felizes e, por outro lado, outras que dizem que devemos poupar, poupar, poupar para termos segurança futura.
Vivemos em meio a esse conflito de autoimagem, sem pararmos para nos questionar claramente quais são nossos objetivos reais. O que realmente me preenche. Então as ansiedades e medos nos fazem correr, correr, correr sem ao certo saber para onde e porque estamos correndo. E nesse correr, nessa falta de tempo, tendemos a perder o espaço interno para a apreciação. Temos cada vez mais dificuldade por falta de tempo, mas especialmente de espaço interno para apreciar coisas simples da vida. A infância dos filhos, a velhice dos pais, o companheirismo dos irmãos, a companhia dos amigos, um pôr do sol, o nascer do sol. A nossa ansiedade com o futuro, a insegurança financeira, o medo de perder o que se adquiriu e o desejo de adquirir mais, faz com que apliquemos o nosso tempo de maneira muito pouco econômica e equivocada. E essa falta de discernimento pode nos separar de coisas extremamente importantes, como a família, amizades, o autoconhecimento, o engajamento social. Não nego aqui a “correria” como uma busca real por subsistência, especialmente em nosso país com tantas desigualdades sociais. Tampouco negligencio a busca por realizar coisas no mundo. Mas chamo a atenção para o fato de que existe uma diferença fundamental entre executar ações e buscar conquistas movido por uma pressão interna, seja ela causada por medo, insegurança ou insatisfação; e executar ações e buscar conquistas com uma atitude interna de apreciação, trazida pela compreensão do seu papel no mundo e pela descoberta de um espaço de conforto em si mesmo. E é apenas dedicando tempo a si mesmo, ao autoconhecimento, que descobrimos isso.
Negligenciamos tanto o uso do tempo porque não o vemos como um bem, vemos apenas o dinheiro como um bem. Se refletirmos, porém, veremos que o tempo está acima de todos os outros bens, uma vez que quando ele acaba, o resto não importa. E não se compra tempo. Seneca alertou aos romanos sobre isso:
“Admiro-me quando vejo alguns pedindo tempo e aqueles a quem se pede serem complacentes; ambos consideram que o tempo pedido não é tempo mesmo: parece que nada é pedido e nada é dado. Joga-se com a coisa mais preciosa de todas, porém ela lhes escapa sem que percebam, já que é incorporal e algo que não está sob os olhos, por isso é considerada desprezível e nenhum valor lhe é dado. Os homens recebem pensões e aluguéis com prazer e concentram nessas coisas suas preocupações, esforços e cuidados. Ninguém valoriza o tempo, faz-se uso dele muito largamente como se fosse fortuito. Porém, quando doentes, se estão próximos da morte, jogam-se aos pés dos médicos. Ou, se temem a pena capital, estão preparados para gastar todos os seus bens para viver, tamanha é a confusão de seus sentimentos”. (Seneca)
Deveríamos ver o tempo como o maior de todos os bens. Assim, escolheríamos melhor com quem, com o que e onde iríamos gastar o nosso tempo. Gastar todo o tempo em busca de dinheiro pensando que vai nos trazer segurança é um equívoco, pois dificilmente nos sentiremos totalmente seguros. Essencialmente a insegurança está em nós e a ideia de segurança é relativa. Eu posso me sentir seguro tendo um carro e um apartamento, o meu vizinho talvez não se sinta inseguro com dez apartamentos e uma conta bancária farta. De acordo com a revista britânica GEO de março de 2009, pesquisadores britânicos observaram por anos um grupo selecionado de 7.812 alemães e constataram que no primeiro ano após um aumento significativo de renda, houve um aumento na satisfação das pessoas. No segundo ano a mesma coisa. A partir do terceiro e quarto ano nenhuma satisfação a mais foi percebida. Vedānta já fala isso, mas às vezes precisamos de pesquisas para comprovar: a nossa felicidade não pode ser adquirida através das satisfações dos nossos desejos, porque assim que um desejo é saciado, outro surge, é sem fim. Foi justamente o que a pesquisa mostrou: com riqueza crescente, crescem também as exigências materiais das pessoas. É como uma bóia na maré alta. Em outra linguagem, desejos tornam-se necessidades. Guardadas as limitações de pesquisas desse porte, sugiro que constate esse fato na sua própria vida
Usar o tempo com inteligência é viver a vida, o presente, inteligentemente. Isso não quer dizer que devamos negligenciar o futuro. Quer dizer que nas nossas contabilidades diárias, deveríamos colocar não apenas o dinheiro como um bem precioso, mas também o tempo. Talvez o maior presente que se possa dar a uma pessoa hoje em dia seja o tempo, mais do que qualquer outra coisa que o dinheiro possa trazer. Tempo junto, tempo de conversa, tempo de fazer nada, apenas de presença, mesmo que esta presença seja tratar com atenção e consciência as pessoas que estão ao seu redor no trabalho. Apenas dando tempo a nós mesmos, dedicando-nos ao autoconhecimento, e também às pessoas ao nosso redor, especialmente às nossas crianças, talvez estejamos contribuindo de maneira muito mais eficaz para um futuro mais “seguro” para nós e para o planeta. A dica é, aproveite o tempo com as pessoas que estão ao seu lado, fazendo de cada momento algo precioso.
Tales Nunes
Publicado na edição 31 dos Cadernos de Yoga.