por Tales Nunes
Podemos ver, porém, isso não quer dizer que enxergamos.
Fechar os olhos pode conotar duas posturas diante das situações. Pode-se fechar os olhos como um meio de fuga do que se vê com os olhos abertos. Ou pode-se igualmente fechar os olhos para refletir sobre algo, ou ainda para interiorizar a atenção e concentrar-se noutros sentidos que não a visão. Na segunda hipótese cerramos os olhos para ampliar a percepção sobre si ou sobre o mundo.
Numa aula de Hatha Yoga, para introjetar a minha atenção e experienciar outros aspectos da postura na qual permanecia, fechei os olhos. A professora, em alto e bom som, chamou a minha atenção, afirmando que fechar os olhos durante a execução de uma postura de Yoga configurava uma tentativa de fugir dela. Ou seja, fuga da percepção do momento presente. Eu, porém, enquanto praticante, sabia plenamente que fechara os olhos como uma maneira de introspecção, de interiorização da atenção.
Eu estava com os olhos fechados, mas isso não queria dizer que eu não estivesse enxergando, ou seja, que eu não estivesse observando dimensões não visíveis do momento presente. Percebia os sons do ambiente, as partes do meu corpo, os pensamentos que invadiam a minha mente, realmente alguns deles em determinados momentos pediam que eu saísse daquela postura. De fato, por momentos, sentia vontade de fugir da postura, de fugir de mim mesmo, por dificuldades que encontrava na permanência.
Porém não eram os meus olhos cerrados que denunciariam a vontade de fugir da postura. Tampouco os olhos cerrados indicariam que eu não tinha consciência sobre o que se passava na minha mente e no meu interior durante a prática de Hatha Yoga. Se praticar com os olhos fechados indica falta de capacidade de se enxergar, ou mesmo a vontade de fugir do que se está fazendo, o que sobra para quem tem uma limitação visual?
Tenho um amigo que não vê, mas tem uma capacidade imensa de enxergar. Posso dizer isso porque numa prática com ele, a sua maneira de guiar a aula, levou-me a perceber aspectos que raramente atento-me. A sua sensibilidade em fazer-nos, por meio da palavra, perceber a respiração, a pu-lahação do coração, os ruídos ao redor e dentro de nós, foi algo que me indicou o que ele experiência em sua própria prática. E ao mesmo tempo fez-me pensar que certamente a prática da professora que chamou a minha atenção estava focada em algo importante: os estímulos visuais, o alinhamento, a técnica. Porém a experiência dentro da postura, que é algo totalmente individualizado, foi negligenciado porque ela, por falta de visão, de sensibilidade, impunha a sua maneira de ver o Yoga aos seus alunos. Em olhos fechados diante de si ela viu a sua própria limitação e projetou-a sobre o aluno.
Numa sala de Yoga, à primeira vista, quando olhamos para as pessoas executando as mesmas posturas, podemos ver uma paisagem uniforme. No entanto, se apurarmos a nossa percepção, veremos que dentro dessa casca que parece tão igual, existem corpos que são totalmente diferentes. E se apurarmos a nossa sensibilidade, perceberemos que dentro desses corpos, existem maneiras diferentes de viver a experiência da prática de Hatha Yoga e a própria experiência da vida. Eu posso ter uma percepção maior sobre um aspecto da prática, enquanto o colega ao meu lado experiência algo completamente diferente, estando ambos na mesma postura.
O professor de Yoga é um guia, ele indica caminhos que ele enxerga. Não se pode apontar para lugares que não são enxergados. Tampouco levar alguém para onde nunca se foi. Acredito, portanto, que ao professor de Yoga é importante ter sensibilidade, tanto para enxergar-se em sua própria prática de Yoga, tendo plena consciência do que ela significa para si, quanto para perceber onde o outro (o aluno) está durante a sua prática e na sua prática como um todo. E dentro disso apontar caminhos, nunca impô-los.
A mim ficou claro, a partir não apenas das aulas desse amigo, mas da sua experiência de vida, que ver não significa enxergar. Enxergar exige mais da sensibilidade e da atenção do que propriamente dos olhos. Os seus olhos estão fechados ao mundo, mas a sua percepção e capacidade de aprendizado e assimilação são plenos.