por Tales Nunes
O objetivo desse texto não é dar respostas mas, a partir de determinados conceitos, incitar reflexões. Espero que com isso, a nossa compreensão sobre a realidade, sobre o Yoga e sua relação com a política se amplie.
O Yoga é um meio de conhecimento. O vislumbre do que o Yoga quer nos mostrar não passa pela política, não é um ato político em si. É um olhar, o reconhecimento de algo em si que é livre de limitação, livre do tempo, do espaço e de qualquer transformação. Esse entendimento pode acontecer no alto de uma montanha, sozinho, a partir da contemplação meditativa. A esse reconhecimento damos o nome de moksha. É o entendimento que rompe a dualidade, a separação entre sujeito e objeto, eu e o mundo.
As ações, contudo, movidas por esse reconhecimento, são atos políticos. A liberdade na ação é outro assunto do qual o Yoga trata. A liberdade fundamental é moksha, a liberdade na ação é Karma Yoga. A liberdade na ação é uma construção constante, nunca completamente dada. É um campo de embate. É aí que acontece a política.
No campo social do Yoga, entre muitos praticantes, existe a ideia de que o conhecimento surge, as compreensões se dão a partir do sentimento, por isso precisamos colocar a razão de lado. Como se o sentimento e a razão estivessem separados. É um engano. O que queremos no Yoga é uni-las, integrá-las como meios de conhecimento de si, do outro e da realidade que nos circunda.
O sentir nos ajuda a compreender muitas coisas, nos conduz a profundidades que a razão não consegue nos levar. Ao mesmo tempo a razão é um meio de conhecimento que nos ajuda a entender assuntos que o sentimento não permite.
É a razão que precisamos para entender a política, os mecanismos de poder, como ele tende a se reproduzir para controlar os corpos. Se não o entendermos, iremos apenas sentir o seu impacto, sem sequer saber de onde os mecanismos de controle estão operando. A isso damos o nome de alienação.
Na política, o poder tende a se reproduzir e a querer se ampliar, pessoas agindo e criando mecanismos de controle de outras pessoas. A causa da busca de poder e de toda violência derivada é a ignorância sobre si mesmo que gera no indivíduo o sentimento de separação e a ganância como a sua expressão social.
Vemos que socialmente, mesmo ferramentas que nascem como veículos de liberdade, como por exemplo a internet e as redes sociais, que tiveram em seu ideal a dissipação do poder, a democratização da informação e da expressão podem se tornar meios de controle e de reprodução do poder, influenciando eleições e beneficiando grandes empresas em guerras econômicas.
O próprio estado nasce como uma instituição para resguardar os direitos e a liberdade dos indivíduos. Porém, facilmente se torna um meio de controle dos corpo e de reprodução da violência. Não estou falando contra o estado, na sociedade complexa na qual vivemos, ele se tornou necessário, precisamos melhorá-lo e resgatar o seu papel de servir à democracia e não ao poder econômico. Para que o estado se mantenha em seu papel de resguardar a liberdade, a luta e o embate são sempre necessários.
Para isso, contra qualquer tipo de totalitarismo, de controle, de ampliação do poder sobre os corpo dos indivíduos, precisamos sempre de conhecimento e de meios de subversão. Corpos que subvertam o controle, que criem novas formas de estar no mundo, que expressem a sua liberdade plena de ser, que expressem o pulsar da Vida. O Yoga, como um meio de descoberta tanto de uma liberdade fundamental, como a busca da liberdade na ação, deve sempre estar à margem, à margem do poder, questionando-o, instigando a reflexão.
Nunca, nunca o Yoga deve estar a serviço do poder, apesar disso acontecer. O próprio poder pode se apropriar do discurso do Yoga para a sua ampliação. A sociedade de consumo e do desempenho pode se apropriar do discurso do Yoga e torná-lo, por exemplo, uma ferramenta de aumento da produção. Isso tem acontecido com frequencia na última década.
O que acontece na Índia nesse momento, sob o governo de um partido de direita é uma dessas apropriações do discurso do Yoga. Mas isso não desmerece o Yoga e a grandeza do seu conhecimento. Assim como a maneira como as igrejas pentecostais deturpam as palavras de Jesus para manipular as pessoas não diminui a grandeza da pessoa que ele foi e a força do que nos trouxe. Jesus foi um subversivo, incluiu uma mulher como uma pessoa com direitos iguais em seu grupo, coisa inconcebível na época. Tenho certeza que se algum Jesus surgisse hoje ele seria preso ou espancado pelas mesmas pessoas que pregam as palavras de Jesus.
O poder se propaga mais rapidamente onde há medo. Medo de assumir a responsabilidade pela própria Vida, medo de sentir a energia vital prazerosamente circular no corpo. Medo da liberdade. A liberdade é o caminho do Yoga. Por isso ele sempre, como a arte, é aquilo que questiona o poder e qualquer totalitarismo, toda violência ou tentativa de domínio de algumas pessoas sobre outras ou do ser humano sobre a natureza.
O conhecimento do Yoga é tão profundo nisso que nele contém um voto. Um voto de valores em relação a todos os seres em todos os lugares, sem excessão. Um voto de ética, que é muito diferente da moralidade. A moral é estanque e está à serviço da tirania. Quando, por exemplo, o presidente que aí está fala em favor da família e da moralidade, ele fala de uma família, a dele ou as que parecem com a dele. Não inclui famílias negras, indígenas, homoafetivas, imigrantes. Na sua moralidade só cabe um deus, o dele mesmo. Na sua moralidade não cabe a compaixão diante do sofrimento. Na sua moralidade não cabe a Vida. Os valores, a ética são para nos conduzir a enxergar, e respeitar a Vida e todos os seres que fazem parte dela. É um princípio lindo. É o próprio princípio da beleza.
No Yoga, a liberdade na ação está alicerçada nos valores, na humanidade – essa palavra tão esquecida hoje – amparada no enxergar e respeitar o outro e a Natureza. Está conectada à vida e seu fluir.
O consumo, a competição e o poder são a lógica da sociedade na qual vivemos. O encontro, a alegria e a expansão são o fundamento da Vida. A lógica do Yoga é a lógica da Vida, não a de uma sociedade adoecida. Por isso o Yoga é subversivo. No Yoga tentamos fazer com que a reflexão, o entendimento, o amor, a liberdade e os encontros guiem as nossas Vidas.
O olhar amoroso é o fundamento da prática de Yoga. O combate é apenas sua expressão. Precisamos diferenciar a violência do combate. A violência é sempre desnecessária, inclusive combatida pelo Yoga. O combate é saudável, amplia a Vida. Seja o combate de ideias distorcidas, pensamentos empobrecidos como a exclusão, o racismo, a exploração.
O yogi é aquele que faz da sua Vida uma busca do reconhecimento de uma amorosidade fundamental, do entendimento da não separabilidade da Vida. Ao mesmo tempo, o yogi é aquele que combate o repressor, a injustiça, a violência, a desigualdade, primeiro em si mesmo, depois no mundo.
Essa é a força política do Yoga.
Tales Nunes