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A arte de criar (a) vida, em cada ação, em cada espera

por Tales Nunes

A vida é um conjunto de forças que se somam, se contrapõem e se apropriam umas das outras em busca de mais Vida, sempre em direção a novas criações. A vida pulsa sempre para a sua expansão, isso é o devir, constante força criativa. Além de força criativa, é um campo mais amplo de consciência, que acomoda e dá forma a todas as forças de expansão da vida. Nós mesmos somos um campo de consciência, no qual todas as forças cósmicas dançam e nos compões dia a dia.

Os elementos da natureza são forças que formam tanto o mundo que vemos ao nosso redor, quanto o nosso próprio corpo. A terra, a água, o fogo, o ar e o espaço são forças que pulsam em nós, tanto na composição do nosso corpo físico quanto na formação de traços psíquicos.  A sexualidade é uma força, o medo é uma força, a raiva é uma força, a tristeza é uma força, assim como a coragem. Todos os nossos impulsos, emoções e pensamentos são forças que nos compõem todo, em constante transformação em relação com o mundo. E nos impulsionam constantemente à ação. E à medida que agimos, nos compomos, nos organizamos e reorganizamos. Nesse processo, a inteligência é uma força que tem o potencial de domar outras forças, de interpretar o mundo e fazer escolhas.

Com essa capacidade especial que é a inteligência, podemos claramente observar as forças da natureza fora de nós e, a partir de um entendimento da característica específica de cada uma, transformar a realidade. Nós, mais do que todos os animais, temos o poder de interferir na relação dessas forças umas com as outras. Todos os nossos impu-lahos são forças que transformam a realidade, mas como seres humanos, usamos a nossa força criativa na forma de vontade para criar no mundo. Em vários momentos, a própria inteligência e a vontade conseguem perceber a sua limitação na influência sobre as transformações da realidade ao redor. Entendem a sua limitação diante da imensidão das forças da vida.

Percebemos que as escolhas da nossa inteligência e da nossa vontade não são absolutamente livres, mas sempre em relação com as forças em si e fora de si. A inteligência mesmo é uma força que se torna impotente diante de impu-lahos que o sobrepõem no corpo, em diversos momentos. Pois no corpo, todas as forças buscam domínio, ampliação. Até a covardia quer domínio, nos domina e nos subjuga, fazendo-nos deturpar o nosso poder, usando-o negativamente para dominar o outro. A próprio inteligência, que é uma força, um instrumento de ação e transformação do mundo, pode se tornar uma arma de depreciação de si mesmo. Uma força deturpadora da vida ao negá-la e negar as próprias forças do corpo, ao vê-las como negativas. Todo impulso tem um lugar e um intento no corpo e na mente. A raiva pode ser uma força propulsora à superação de diversas situações. A tristeza pode conduzir a um estado de sensibilidade reflexiva. O medo é uma força que nos mantém vivos em diversos momentos que precisamos. Todas essas forças devem ser integradas no indivíduo e o primeiro passo para que sejam é aceitá-las como poderes especiais, como sagradas e como passageiras e dinâmicas.

Nesse processo, a inteligência é um mediador, não apenas como um domador, mas como um interpretador de forças. Quando percebemos o papel de cada um dos impulsos em nós e o jogo constante que eles formam entre si e com o mundo, podemos fazer escolhas mais inteligentes, mesmo dentro de nossas limitações de liberdade, e entendermos que todas as forças tem o seu lugar nessa composição. As escolhas incluem tanto uma alimentação mais adequada quanto valores mais saudáveis, para si e para a realidade que nos cerca. É sempre uma relação entre forças na qual encaixamos a nossa vontade e desejo nas possibilidades da vida. Eu sou um conjunto de forças que atua em relação com a outra pessoa que é um conjunto de impu-lahos e desejos de realização. É sempre um jogo de liberdade e limitação, avanço e recuo, lançar-se e esperar.

Estamos sempre agindo. E devemos entender que a espera inteligente é uma ação. Em diversos momentos da vida o coração precisa ter paciência e esperar que as forças da vida criem os espaços necessários para que encaixemos o nosso desejo, a nossa vontade, na forma de ação para alcançarmos os nossos objetivos no mundo. Esse já é um grande desafio, pois como as forças que nos compõem buscam sempre superação e mais potência, a inteligência e a vontade em diversos momentos acham-se absolutamente livres e acima de qualquer outra força limitadora. O sentimento de onipotência pode nos levar a pensar que podemos realizar todos os nossos desejos, sem entender que há outras forças no mundo e em si mesmo que limitam essa realização.

Mais desafiador ainda é saber que dentre as forças que nos compõem enquanto indivíduos, muitas vezes somos impotentes em mudar na velocidade que a inteligência e outros impu-lahos desejam. Em diversos momentos não seremos capazes sequer de dominar a situação em termos de entendimento. Há fatos que não conseguimos entender o porquê. Há situações que não conseguimos rastrear a causalidade, mas certamente elas não fogem às ordens das forças que compõem a vida. E o próprio desejo de entender ou de que a realidade e nós sejamos diferentes naquele exato momento, influem como uma força enrijecedora. Tentamos controlar o mundo e a nós mesmos ansiosamente quando o mais sábio seria esperar. Esperar, nesse sentido, não significa nada fazer, mas fazer o que se põe momento à momento, com a paciência necessária para que as forças se integrem. Para que a própria inteligência, inquieta com as mudanças e presa às acomodações anteriores, integre as novas relações entre as forças em si mesmo e no mundo, com flexibilidade, como um dançarino. Nesses momentos, a inteligência deve saber dançar junto com as forças do corpo e da vida, domando, entregando, restringindo, fluindo, disciplinando, mas sempre brincando.

A própria vida é um jogo, uma grande brincadeira das forças que a compõem, que dançam à luz da consciência que testemunha. Nós somos todas essas forças e, sobretudo, somos testemunha dessa dança. Como testemunhas, temos a capacidade tanto lúcida quanto lúdica de apreciar, de nos encantar e extasiar com a Vida. Pois a vida é obra de arte que pode ser tanto transformada por nossas ações, quanto apreciada a partir de um espaço de contemplação em nós. Como parte dela, somos obra de arte. E enquanto criadores e apreciadores de todas as suas cores que nos compõem, somos artistas. Artistas que usam as forças de si mesmos e do mundo para nos criarmos, em cada ação e em cada espera.

Tales Nunes

Floripa, 19 de setembro 2014

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Tales
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