por Tales Nunes
A beleza não é algo exterior. Não conseguimos definir princípios gerais de beleza. O que é belo varia de cultura para cultura, de olhar para olhar. Não é algo que está no objeto em si, mas no olhar que o aprecia.
A beleza é um encontro consigo mesmo através do outro ou de algum objeto, é uma apreciação súbita da unidade da Vida que somos, uma contemplação da não separação. Na percepção da beleza há contemplação e entrega, espontaneamente transcendemos toda dualidade.Quando a noção de dualidade toma conta, há a tentativa de dominar o objeto que aparentemente contém a beleza, então o medo, a comparação e a divisão invadem e a apreciação se esvai.
Na contemplação da beleza há o movimento interno básico de acolhimento, de aceitação do objeto e de nós mesmos como somos. Uma ausência do eu separado, que conduz a um relaxamento profundo, desoprimindo quem, essencialmente, nós somos. Aquilo que é belo é o que nos desarma, o que derruba nossas defesas em relação a nós mesmos e ao mundo, o que nos sensibiliza. A arte e a natureza têm essa força.
A prática de Hatha Yoga, especificamente a prática de āsanas, também tem esse poder, dependendo de nossa atitude. Em constante contato com as forças do nosso corpo e os elementos nele presentes, compomos as posturas como um artista compõe uma música, uma escultura ou uma pintura. O nosso campo de apreciação é o nosso próprio corpo e todas as suas forças, mentais, emocionais e físicas. Há limites nesse corpo, assim como há limites num quadro, ou numa pedra que será esculpida. Não conseguimos lutar contra as leis da física para criar uma obra de arte, somos limitados por elas, mas dentro delas, temos toda a liberdade do mundo… É dito que há tantas posturas no Hatha Yoga quanto seres vivos na terra.
Lutar contra os limites físicos do corpo, para se encaixar a uma estética ideal, não é compatível à uma conduta de cura ou de aperfeiçoamento. Sobretudo porque essa estética não existe. Praticar Yoga é explorar uma abertura interna à contemplação da beleza do momento presente, sem o intento de encaixar o corpo à uma fórmula pré-determinada, buscando uma flexibilidade ou força ideal, é apenas permitir que ele flua dentro de seus próprios limites.
A apreciação do corpo como ele é, como ele está, em sua constante impermanência, eis a sua natureza. Um fluir de atenção e de apreciação da beleza que é estar vivo, estar presente e estar no corpo, apesar de todas as dificuldades que isso possa trazer. É uma atitude de contemplação da beleza para além da forma fixa, vivenciando-a no movimento e na presença. Cotidianamente perdemos diversos espetáculos que a natureza nos oferece por simplesmente estarmos distraídos, apegados demais aos deveres ou apenas por não aceitarmos a vida como ela é. Comemos, pensando no trabalho, trabalhamos pensando no lazer, estamos no lazer pensando nas contas para pagar e assim sucessivamente. Desta forma muitas maravilhas, que só a presença alcança, se perdem na nossa rotina. A prática de Yoga tem a oportunidade de trabalhar essa presença e a liberdade em relação às exigências e defesas internas que nos tiram dela. Considero essa a essência da grandeza na prática de Yoga, caminhamos no sentido de nos libertarmos da necessidade de criar mais uma competição, da exigência de precisar chegar em algum lugar para, então, estar em paz ou de criar metas sobrepostas de realização, como se a prática fosse mais um de nossos empreendimentos.
É possível e incrível os ganhos que temos com a prática de Yoga em relação à flexibilidade, força e saúde, mas sem o espaço interno de desfrute desses ganhos, com a mente conectada ao futuro e ao que ainda não se conquistou, perde-se a surpresa de todo o caminho. O Yoga já é esse caminho que se caminha.
A beleza na prática de āsana não está na forma da postura, mas na postura interna em relação ao que se faz, independentemente de onde se esteja com o corpo. A beleza que o Yoga desperta é a aceitação do próprio corpo com suas capacidades e limitações, a aceitação das emoções e da mente, com suas grandezas e miudezas. Esse corpo que eu observo tem a natureza dos elementos que compõem toda a vida e essa consciência que ilumina o corpo tem a natureza do Sol, que dá brilho à toda existência. A verdadeira beleza é justamente este reconhecimento, de que somos um com tudo o que é.
Essa grandiosa descoberta que parece cósmica, desperta-nos para as simples belezas da vida que estão acontecendo momento a momento. A existência é uma grande obra de arte na qual estamos inseridos, experienciando o caminho com nosso corpo, nossas emoções e nossa mente. Podemos ser artistas de nosso cotidiano, nas perfeitas “imperfeições” da vida, mudando a nós mesmos e ao mundo nos pequenos atos e situações que nos surgem dia-a-dia.
Assim como não existe um corpo ideal na prática de āsanas, que alcançaremos quando mais fortes e flexíveis, mas sim esse corpo que é perfeito para que vivamos as nossas experiências e amadureçamos, não existe uma vida ideal que encontraremos quando nos tornarmos mais “espiritualizados”. O que há é a grandeza do cotidiano, mágico, uno e perfeito em seu equilíbrio, com o qual podemos compartilhar as nossas belezas, que integradas às nossas limitações, nos fazem plenos.
Florianópolis, 12 de maio de 2016.
Tales Nunes