por Tales Nunes
Nascemos demanda, indefesos e dependentes dos outros. É o cuidado que garante a nossa sobrevivência. O alimento que ingerimos garante a nossa saúde e crescimento físicos, mas é o amor na forma de cuidado que alimenta a nossa alma. Somos seres que necessitamos amor, demandamos amor desde que nascemos. Essa demanda se dá desde o pedido do olhar da mãe no momento em que se mama, até uma palavra de carinho que se pede inconscientemente para escutar e que acalma o coração da criança. A essência do que buscamos na vida é o amor em toda a sua simplicidade de reconhecimento e sua exuberância de expressão. Quando demandamos a atenção do outro é amor que queremos, quando choramos a saudade ou a ausência é o amor que imaginamos ter perdido, até mesmo quando odiamos, é a falta do amor que dói. O amor é sempre o mesmo, sensação de pertencimento, unidade, cuidado. As formas de amar podem ser diferentes.
Quando nascemos, nos inserimos numa família, que não deixa de ser uma microcultura na qual há formas estabelecidas, convencionadas de amar, de expressar o amor, ou que há dores guardadas causadas por sua deturpação. Desde que nascemos, portanto, somos convidados a amar de uma determinada maneira. Pode ser o amor pelo amor, pelo carinho, pela atenção. Ou o amor pelo medo, pela chantagem, pela agressão. Em grande parte a forma como aprendemos a amar está associada a forma do amor que recebemos dos nossos pais. Algumas pessoas não aceitam o amor pelo amor, o sim pelo sim. Ou seja, amor pelo carinho, pela sinceridade e pela aceitação. Simplesmente não reconhecem o amor ali ou se apavoram porque se veem perdidos e inseguros numa nova forma, numa nova grandeza. Um filho que a forma de atenção recebida pelo pai foi a agressão, pode começar entender a agressão como uma fora de amor, uma forma de compartilhar, de se sentir pertencente. Pode, de uma maneira inconsciente e deturpada, começar a demandar esse tipo de atenção do pai, pois é a única que conhece. Mais adiante, quando adulto, recebe amor através do carinho, não aceita, pois desconfia desse amor, desconfia de si mesmo. Tem medo da sensação que sente a partir desse amor. No fundo é uma proteção, pois acha que se abrir o coração para a simples expressão do amor pode se perder de uma forma conhecida e “segura” de ser e de amar, em algo desconhecido e muito maior do que si mesmo.
Por isso, há a tendência de rejeitarmos pessoas que nos oferecem amor diferente do que estamos acostumados e uma inclinação à repetição de padrões de relacionamentos que aprendemos na família, especialmente com pai e mãe. Mas a vida, cedo ou tarde, nos empurra, por vezes de maneira muito complexa, para a simplicidade, para a aceitação do sim pelo sim, do amor pelo amor, da vida pela vida. A deturpação do amor no fundo gera ansiedade, angústia e medo, pela distância fundamental que gera de si e do outro. Esse é o empurrão e a pressão que a vida nos impõe para que caminhemos em direção à simplicidade. Alguns descobrem uma incrível força transformadora nessas emoções, e transformam essa pressão interna em expressão benéfica para si e para o outro, mas essa própria expressão já é uma transmutação artística amorosa.
Mas, essencialmente, a deturpação do amor impede a nossa entrega à vida, por criar distâncias em nós. A meta da vida é descobrir o amor em si mesmo, por si mesmo, e aprender a expressá-lo de maneira transparente. Quando nos reconhecemos como amor e simplicidade, percebemos a vida como pura exuberância e força criativa e nós como fonte plena e simples de sua expressão. Essa é a plenitude que buscamos. A nossa demanda de amor é nosso desejo de amar.
Floripa, 17 de março 2015
Tales Nunes