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Centro e “periferia”

Eu nasci em Aracaju, capital de Sergipe, o menor estado do Brasil. Aos 13 anos fui morar em São Paulo. Foi a primeira vez que eu entendi a relação entre centro e periferia. Entendam o que quero dizer.

Eu sabia coisas sobre São Paulo, nome de ruas, de bairros, o MASP, sabia o sotaque. Muita coisa eu já tinha visto na televisão, outro tanto estudado na escola. Porém, quando me perguntavam de onde eu era e eu respondia Aracaju, Sergipe, muitas, muitas pessoas mesmo sequer sabiam que era no nordeste do Brasil. É lá no norte, né? Norte era um nome genérico para se referir a tudo o que está em cima.

Senti o mesmo quando fui para os EUA, basta o símbolo – EUA – para sabermos do que estou falando. Nós sabemos muita coisa sobre os EUA, eu sabia quando fui. Sabia os estados, porque estudei isso na escola. Sabia as cidades mais importantes, porque ja havia visto em filmes. Mas quando eu dizia, sou do Brasil. Ouvi de muitos, “rain Forest”. 

Foi assim que me dei conta, eu sei um pouco sobre eles, mas eles não nos conhecem. Não nos conhecem porque o centro raramente conhece a “periferia”. São muitos os centros e inumeráveis as periferias. São Paulo é um centro com periferia nele mesmo. Aracaju é um centro com periferias nela mesma. Mas uma coisa é certa, quanto maior o autocentramento de um grupo ou de uma pessoa, menor o interesse de conhecer o que está ao redor. O centro se interessa pelas coisas do centro. Quando se interessa pela periferia, é com ar de exotismo. 

Eu quis trazer essa ideia de centro geográfico apenas para pensar o conceito de centro pessoal, para refletir sobre o autoconhecimento. Existem pessoas nesse mundo que nascem com tudo, que tem tudo e muito além do que precisam. Não apenas isso, muitas pessoas que cresceram dentro de uma educação em que elas são o centro do mundo. Foram educadas para serem o centro de importância. É muito difícil para algumas pessoas que foram educadas assim entenderem que há pessoas no mundo que não cresceram como o centro. Por exemplo, na “periferia” há muitas mães que saem de casa às 5h da manhã para cuidarem dos filhos das suas “patroas”. Fazem comida, passeiam, ninam. Elas passam mais tempo com os filhos das “patroas” do que com seus próprios filhos. Voltam para casa quase na hora de dormir. E seus filhos não têm essa assistência que ela dá ao filho do outro. 

Muitas pessoas, presas em seu próprio centro, sequer enxergam essa realidade. Porque presa ao seu centro, não vê a pessoa que cuida do próprio filho como pessoa, vê como “empregada”. Presa em seu próprio centro, ela pensa que faz um favor. O sentimento de autoimportância é uma das forças que obliterara a nossa visão do outro, a nossa visão do mundo, a nossa sensibilidade para a Vida.

Autoconhecimento, portanto, em muitos contextos, não é autocuidado. Talvez algumas pessoas já tenham todo o cuidado do mundo disponível. Autoconhecimento, em muitos contextos, é um sair um pouco do próprio centro para ver o que está ao redor. Enxergar o outro, a realidade social, pessoal do outro, a vida do outro. É importante ensinar aos nossos filhos autoamor. A melhor forma de fazer isso talvez seja ensinando o amor pelo outro. O autocentramento nos impede de amar. Muitas vezes, talvez, a saída não seja olhar para dentro, como muitos dizem, mas a saúde seja olhar com cuidado ao redor. Escutar, tocar, sair um pouco do autocentramento.

O paradoxo é que a sociedade em que vivemos oferece o autocentramento como saída para o autocentramento. Essa fórmula é individualmente e socialmente adoecedora.

Tales Nunes, 10 de junho 2024

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