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Yoga, Poesia, cursos, reflexões, pensamentos

Família

por Tales Nunes

Certa vez um amigo me disse: “Tales, meus amigos são mais meus irmãos do que meus próprios irmãos e meus “pais espirituais” são mais meus pais do que meus pais verdadeiros. Vocês são a minha família”. Fiquei com essa frase na cabeça, pois a ouvira numa época em que eu estava longe da minha família

Não é à toa que nascemos num determinado núcleo familiar. Muitos estudiosos, de Plotino à James Hillman, afirmaram que, antes de nascermos, nós escolhemos a nossa encarnação, ou seja, escolhemos a família na qual iremos nascer de acordo com o que precisamos aprender nessa vida. Sem entrar nos méritos da reencarnação, acredito que, sim, nascemos cercados por um grupo de pessoas que nos recebe, bem ou mal, para nos ensinarem alguma coisa e também para aprenderem conosco.

Nossos familiares são as primeiras pessoas com quem temos contato quando nascemos e que nos transmitem não apenas uma carga genética, que nos define como somos fisicamente, mas também uma carga mental, emotiva e energética que, a bem da verdade, carregaremos para o resto da vida. “Esse menino tem o rosto do pai e o gênio da mãe”. Os traços físicos e os dito de gênio – mentais e emocionais – são os mais fáceis de serem observados. O aspecto que chamo de energético, no entanto, é mais sutil. É esse aspecto que, de certa maneira, mantém os membros da família ligados, mesmo estando separados fisicamente. É o que explica a ânsia que move a vida de muitos filhos adotivos em conhecer seus pais verdadeiros, mesmo tendo recebido todo o amor e carinho dos seus pais adotivos. Nesse nível, o que você faz individualmente, as mudanças internas que realiza, afeta todo o núcleo vivo e conseqüentemente deixará uma herança para as gerações vindouras.

Em algumas famílias o amor e a compreensão estão mais fortemente presentes, apesar dos conflitos e desentendimentos quotidianos. Noutras, por haver raiva e violência, parece que o amor se perdeu em alguma geração anterior. Muitas vezes culpa-se um membro específico desse grupo pelo aparente desequilíbrio coletivo, que pode ser causado por droga, alcoolismo, ou qualquer outro problema. Mas, de fato, esse não é um desequilíbrio individual, faz parte da bagagem que ele recebeu de gerações anteriores. É comum vermos um problema familiar transpassar gerações. É muito forte a tendência de reproduzirmos erros, manias, traumas que herdamos dos nossos progenitores.

No processo de autoconhecimento, quando “entramos na toca do coelho”, as primeiras pessoas que encontramos são os nossos familiares. Durante meditações, nos colocamos como observadores passivos de nós mesmos para, dessa maneira, nos conhecermos melhor. E, nesse processo, logo vem à tona toda uma bagagem que nos foi entregue de presente pelos nossos familiares; descobrimos mágoas; traumas; revivemos acontecimentos da infância. Durante o processo de descoberta familiar é importante, como na meditação é importante nos distanciamos de nós mesmo para nos conhecermos e assimilarmos aprendizados, que guardemos, num certo período determinada distância dos membros da família, para que possamos vê-la de fora.

Depois de conhecermos a bagagem que herdamos dos nossos progenitores, é importante haver o retorno. O retorno para perdoar, ou para pedir perdão. O retorno para conversar, se possível. O que fazemos quando percebemos que existe um conflito mal resolvido com o meu pai, por exemplo, quando percebo que existe mágoa? Tento conversar com ele para resolver, para desfazer o nó? Ele está vivo, e se está vivo, está aberto para isso?  Na maioria das vezes os pais não estão preparados para conversar sobre os conflitos nos quais eles estão envolvidos com relação a seus filhos, pois isso pode mexer de maneira muito forte com energias estagnadas. Uma simples conversa franca pode trazer grandes transformações nas vidas das pessoas envolvidas e muitos não querem ou não estão preparados para essas transformações depois de uma determinada idade. Que digam os casais que, juntos há mais de quarenta anos, chegam ao ponto de mal se falarem e vivem como se fossem dois estranhos um ao lado do outro.

Algumas vezes, depois do retorno, vê-se que é realmente preciso manter o distanciamento com relação à família, ou determinado membro dela, pois, nesse momento, há problemas que são insolúveis. Mas que esse distanciamento seja feito de maneira consciente, não como uma fuga. É fato, porém, que a tentativa de resolução dessa questão não foi em vão, pois certamente no campo energético alguma mudança foi feita. E, como dizem algumas tradições de Yoga, o sutil precede o denso, cedo ou tarde alguma mudança concreta ocorrerá.

Creio que foi isso que o amigo disse. Possivelmente ele passou por esse processo e algumas questões ficaram abertas e sem a oportunidade de serem fechadas. Isso criou um distanciamento que o faz, hoje, muito mais próximo dos seus amigos do que dos seus familiares. Eu, sinceramente, apesar dos problemas, incomuns a qualquer família, agradeço ao universo, ou talvez a mim mesmo, por ter nascido na família que nasci, por ter as mães, o pai, os irmãos que tenho. Aprendo muito e cada dia mais com eles, dentro e fora de mim. O que ensino a eles? Bom, isso apenas eles podem dizer.

E você, o que você tem para aprender e para ensinar a sua família?

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Tales
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