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Yoga, Poesia, cursos, reflexões, pensamentos

Ganesha, a própria consciência

ganesha

por Tales Nunes

O Yoga, como sabemos, deve o seu nascimento à Índia. Hoje, porém, espalhou-se pelo mundo e é, acredito, alocal. É um patrimônio da humanidade. Na sua peregrinação rumo a terra desconhecidas, como a nossa, o Yoga acabou trazendo junto, a milhares de pessoas não hindus, todo um panteão védico. Em alguns lugares, a depender da cultura e das pessoas, esse panteão é ignorado e a ênfase é colocada nas técnicas do Yoga, sobrando apenas a representação do Om como símbolo do Yoga. No entanto, algumas outras pessoas absorvem parte dessa rica e fascinante simbologia, a qual preenche de sentido as suas vidas.

O que falar, então, de um Deus com corpo humano, com uma imensa barriga, cabeça de elefante, com quatro braços e que vive ao lado de um ratinho. Como interpretar essa figura e que sentido ela pode ter para nós?

De acordo com Feuerstein, as divindades hindus devem ser consideradas sob três pontos de vista: Material, psíquico e espiritual. Pensando dessa maneira, as deidades preenchem todos os âmbitos das nossas vidas. Com esse artigo, pretendo mostrar que, olhando para o Ganesha e outras deidades, como eles representam forças da natureza, forças psíquicas e espirituais, olhamos para nós mesmos e aprendemos sobre nós mesmos e sobre o mundo no qual vivemos.

A origem

O deus-elefante Ganesha é filho de Shiva e Parvati. A representação de Shiva e Parvati fazendo amor são símbolos que aparecem constantemente no Tantra. É dito que a relação sexual entre os dois durava milênios. E por milênios também Shiva retirava-se nas montanhas para meditar. Ele, antes de tudo, era um asceta, por isso é sempre representado com semblante austero e sereno. Durante uma de suas longas meditações, Shiva deixa Parvati sozinha. Ela, então, para fazer-lhe companhia, por meio da raspagem de sua pele, gera um filho, Ganesha.

Ganesha, desde pequeno, era fiel e zeloso à mãe. Certa vez, ela foi tomar banho e deixou-o à porta, com a incumbência de tomar conta para que ninguém entrasse. Nessa hora, Shiva chega de volta à sua casa. Ele estranhou aquele menino desconhecido ali, parado, impedindo-o de entrar em sua própria casa. Inicialmente, pediu que ele saísse da frente para que entrasse. O menino, que jurou a mãe proteção, em hipótese alguma deixaria. Shiva, então, ordenou à sua horda que tirasse o jovem dali. O menino lutou bravamente, a todos venceu e permaneceu em seu ofício de proteger a mãe.

Shiva, já furioso e indignado com a audácia do menino, com força e astúcia, decepou-lhe a cabeça. Parvati, ao sair do banho e ver o filho decapitado, ameaçou bravamente destruir todas as forças do céu. É fato que, na tradição indiana, nada pode ser mais forte do que palavras ditas em auto e bom som sob o efeito da cólera. Então, Shiva, para proteger o dharma, ordenou o seu séquito que colocasse sobre o menino a cabeça da primeira criatura que encontrasse. O elefante foi este sagrado animal.

A aparência

Ganesha tem uma grande cabeça de elefante, a qual representa a inteligência, a sabedoria e a dedicação aos estudos das escrituras. Foi ele quem escreveu, usando sua presa como pena, o Mahabharata, ditado por Vyasa.

Na sua testa, Ganesha traz a marca de um tridente, o qual indica que ele é filho de shiva. As duas grandes orelhas representam a capacidade de escuta. A capacidade de ouvir os ensinamentos é o primeiro passo para a auto-realização. A assimilação do que é escutado é o segundo.

A sua grande barriga, muito além de ser fruto da ingestão de muito modaka, representa sua capacidade de engolir, digerir e assimilar todos os obstáculos, assim como os ensinamentos escutados. Então, que tenhamos ouvidos para escutar e as condições para digerir o que é escutado. Isso faz parte do sadhana, da prática de Yoga.

A sua tromba representa viveka, o discernimento. Pois ao mesmo tempo em que a tromba possui a força de derrubar uma árvore, tem a delicadeza de apanhar uma semente no chão. Esse é o discernimento que precisamos na vida para lidar com os pares de opostos aos quais estamos constantemente em contato, como a alegria e a tristeza, a saúde e a doença, o que achamos serem as pequenas e as grandes coisas da vida. E que, imersos nessa dualidade aparente, tenhamos sempre discernimento para ver a unidade.

A sua mão direita superior Ganesha segura um machado, com o qual ele corta a nossa ignorância. Entre outros aspectos, o deus-elefante representa o conhecimento, o único antídoto para a ignorância. Nós sofremos por causa da ignorância. Portanto, ao trazer-nos o conhecimento, Ganesha nos traz paz e pureza ao coração. Pureza que é representada pelo lótus, que ele segura em sua mão esquerda superior. Nessa mesma mão ele também segura um laço com qual prende a nossa atenção no que é importante na vida, o conhecimento do ser.

A sua mão direita inferior está em abhaya mudra, gesto que representa o acolhimento e a benção que concede a todos que a ele chegam. Na sua mão esquerda, carrega um prato de modaka, doce feito de leite e arroz tostado, simbolizando a doçura e a plenitude que traz o conhecimento do ser.

O senhor dos gunas

O nome Ganesha é formado pela palavra gana, grafada também como guna que são as três forças que regem o universo. Tamas, inércia; rajas, movimento; e sattva, equilíbrio. E Isha, que significa “inteligência”, “controle” e pode ser também traduzido como “senhor”. Ganesha é, portanto, o senhor dos gunas, é a própria inteligência que rege a natureza.

A nossa mente faz parte dessa natureza e igualmente está sujeita às instabilidades produzidas pelo movimento dos gunas. Lembremos, portanto, com memória de elefante, em todas as situações, que nós não somos a nossa mente, mas a Consciência que está além dela. Ganesha, enquanto veículo e símbolo, ajuda-nos a lembrarmos disso e a nos entregarmos, em oração, pois quem está no controle das situações não somos nós, é ele, o senhor dos gunas.

A própria consciência

Pensando nas características do elefante e do Ganesha, e o que eles podem representar espiritualmente para nós, ressalto a força, a inteligência e a docilidade. Essas características tornam-o símbolo da Consciência. O Rato, o qual o acompanha, por sua vez, representa a mente, inquieta, sempre para lá e para cá, em busca da saciedade de seus infindáveis desejos. Ganesha aparece montado no rato, ou seja, num símbolo de que a consciência é infinitamente maior e mais abrangente do que a mente.

É característica do sábio esse conhecimento e essa eterna lembrança, assim como é característica do elefante a excelente memória. Na edição 04 dos Cadernos de Yoga, Pedro Kupfer nos conta a interessante história da batalha entre Ganesha e o demônio, na qual o deus-elefante transforma-o em rato depois de quebrar sua própria presa e usá-la como arma contra o demônio.

Uma estória que ilustra as qualidades do elefante

O relato que estou prestes a contar, apesar de ser uma estória de guerra, ilustra algumas das qualidades que apresentei acima, as quais são atribuídas tanto ao animal, o elefante, quanto também ao Ganesha.

Vamos a ela então:

Alexandre, chamado de “o grande”, saiu da Macedônia para conquistar terras e povos, da Grécia à Índia. Ele, que era considerado o próprio Deus pelos macedônios, construiu o primeiro grande império do planeta.

Conta-se que, quando em território indiano, Alexandre travou uma sangrenta batalha com Pórus, grande rei local. Os soldados de Pórus, nessa ocasião, montavam grandes elefantes e usavam-nos como instrumentos de guerra. O próprio rei Pórus enfrentou o eficiente exército alexandrino montado em seu elefante. Plutarco, em livro chamado Alexandre e César, biografias paralelas, descreve da seguinte maneira a derrota de Pórus e a sua relação com o elefante que montava:

Esse elefante mostrou, na ocasião, possuir admirável inteligência e um afeto enorme pela pessoa do rei; enquanto Pórus conservou suas forças, defendeu com coragem, repelindo e derrubando os assaltantes; mas quando sentiu que Pórus, coberto de dardos e feridas, enfraquecia aos poucos, receando que ele caísse, dobrou os joelhos e, abaixando-se suavemente até o chão, arrancou-lhe com a tromba, um por um, todos os dardos.

À parte a guerra, o relato nos mostra a bela relação, de amizade, de proteção e de entrega entre o elefante e o rei. GaŠesa simboliza essa energia de amor, de proteção e de devoção. E é a essa energia que remete a oração a ele. Esta diz:

Shuklambaradharam vishnum shashivarnam caturbhujam

prasannavadanam dhyayet sarvavighnopashantaye

“Eu medito em você, Senhor Ganesha, libertador dos obstáculos, vestido de puro branco, com a face brilhante como a lua cheia, possuindo quatro mãos poderosas; seu sorriso constante me assegura sua presença, em todo lugar, a me abençoar”.

Jaya jaya Ganesha!!!

Written by
Tales
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4 comments
  • Muito interessante esse site. Agreguei conhecimento sobre GANESHA e também a respeito da origem da Yoga. Grata ‍♀️

  • Tales, agradeço pela publicação.
    Precisava entender melhor Ganesha e consegui as informações que buscava aqui.
    Grata!

  • Que conhecimento maravilhoso! Sempre quis ganhar um Ganesha e a paixão que tenho pelos elefantes. Muito grata.
    Hoje confecciono chaveiro em macrame com a cabeça de Ganesha. Prazeroso receber esse seu conhecimento.

Written by Tales

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