por Tales Nunes
Estamos individualmente, corporalmente, mentalmente e coletivamente, enfermos. A enfermidade do esquecimento que nos atormenta em silêncio.
Essa angústia de não saber quem somos cria uma barreira imaginária entre eu e o outro. Ela nos isola em nosso pensar diário, em nossos ruídos de medo e anseio de conquista. Separa-nos da natureza e nos aliena de nossa ancestralidade. Tira-nos a referência de um caminhar firmemente ligado à terra e nos põe numa corrida em direção a uma meta que sequer sabemos onde está e que parece mais distante a cada gota de suor derramada para alcançá-la.
A vida, que deveria ser compartilhada e celebrada, passa a ser um campo de disputa e de competição. Os lugares e a natureza que os compõem, se desmaterializam, tornam-se espaços de passagem, desprendidos de afeto, de vida e de permanência. Assim também acontece com o corpo do outro e o próprio corpo que se despe de presença. Cultua-se o corpo, mas não se permanece nele. Aliena-se através de diversas distrações mentais, numa necessidade de se manter constantemente ocupado, ou de drogas de todas as espécies, especialmente as lícitas. Porque o corpo angustia, o corpo perece, o corpo sente, o corpo dói. E nada disso é bem vindo, pois não cabe na idealização, na instagranização da vida.
Como falar, portanto, numa cura sem um questionamento de nossas crenças fundamentais. Como falar em cura sem um questionamento dos fundamentos dos valores da nossa sociedade de consumo. Como falar numa cura que não nos aproxime da natureza e do outro. Como falar em cura sem afeto. Como falar em cura separada de um caminho de autoconhecimento que nos aproxime daquilo que de fato estamos buscando, nós mesmos.
A cura é uma descoberta amorosa. A cura atualmente é uma inversão do pensar que nos contamina. Com nossa mente e nossos afetos presos na falta e na noção de separação, pensamos que o mundo e os objetos de consumo devem suprir as nossas carências. O tempo comprova que essa é uma busca inalcançável, uma crença que está não apenas nos esgotando, mas está consumindo as forças da Natureza que nos sustentam.
Precisamos nos entender como seres inteiros e como não separados das forças da criação. Precisamos entender a terra como manifestação doadora de amor, como grande mãe que nos alimenta e nos nutre e nós como não separados dela, como igualmente fonte desse amor.
Apenas assim as nossas vidas poderão ganhar um sentido maior, um sentido de colaboração, de celebração e de maravilhamento criativo. Achamos que é o poder, a força e a dominação que nos fazem maiores, mas é apenas o amor que amplia as nossas vidas.
Essa é a cura que precisamos, uma cura em nosso olhar, que promova uma inversão profunda de sentido e passe por um questionamento fundamental do que estamos buscando em nossas vidas.
Não é uma visão nova que estamos por descobrir dentro desse caminho, é o que muitos saberes tradicionais, entre eles o Yoga, já falam há milênios. Saberes que se manifestaram em mentes e corações que estavam intrinsicamente em conexão com as forças da natureza. Que sabiam escutá-la. Alguns desses saberes e tradições estão vivos, muitos deles foram extintos, outros em vias de extinção. São olhares que viram o Uno dentro da multiplicidade da Vida. Viram toda a expressão da Vida como sagrada e cantaram e dançaram em sua homenagem.
São visões que aprenderam a usar as próprias forças da natureza para se curar, pois seu saber não concebia entender-se separado. É esse o saber que algumas áreas do conhecimento tentam resgatar como “prática complementar”, como forma de cuidado e de saúde. Mas não há como pensarmos nessa aplicação como mera técnica. Tampouco dentro do nosso paradigma de saúde e de doença, de vida e de morte. Antes de serem “práticas complementares”, eles são Saberes Tradicionais, não podemos esquecer disso. Para a maior parte desses saberes, por exemplo, a reencarnação é um fato que dá à morte um sentido completamente diferente do paradigma científico predominante.
Precisamos ter cuidado, pois nessa relação, tanto o racionalismo científico quanto nossos valores de consumo utilitaristas, tendem a se apropriar desses saberes a partir de um ponto de dominação e de redução. Dominação da técnica sobre o transcendente, do comprovável sobre o intuitivo, do racional sobre o afetivo. Deslocar as técnicas desses saberes de suas matrizes de origem e tentar com que se adeque à nossa visão é um risco constante de empobrecimento e de redução.
Estamos prontos para abraçá-los enquanto saberes válidos, não por comprovação científica, mas a partir da própria experiência? Estamos prontos para abrir as nossas vidas não apenas às técnicas que as tradições mais ligadas à Terra e à Natureza nos oferecem, mas também aos seus saberes mais profundos? Estamos prontos para abrir mão, mesmo que gradualmente, do estilo de vida de consumo, de distanciamento da Natureza e do outro, de nossos apegos às crenças fundamentais sobre quem somos e sobre o que é a Vida?
Todas as reflexões que o Yoga, por exemplo, nos propõe, passam tanto por um profundo questionamento dos nossos condicionamentos pessoais, construídos ao longo de nossas muitas vidas, como por crenças sociais que são tidas como verdades inabaláveis. O caminho de nos reconhecer inteiros, não é livre de um processo intenso de desconstrução.
Nesse caminho, o impu-laho para a experiência humana genuína, a abertura para o contato, a disposição sincera de transformação e de mergulho no autoconhecimento são os pré-requisitos fundamentais para a cura essencial que o Yoga sugere. A cura do esquecimento de quem somos.
Onde quer que estejamos, nós quem devemos estar dispostos a nos deslocar até onde esses saberes podem nos levar, caso contrário, eles não terão a capacidade de tirar a nossa cegueira.
Tales Nunes