Tales Nunes
O saber fundamental do Yoga não é uma vocação. Também não é uma criação pessoal ou o somatório de vontades pessoais. A essência do saber do Yoga é o espanto. Em algum momento da história, a cognição escorrega do ente, da pessoa, da identificação com o corpo e com a mente, para a vastidão, a abertura do Ser. Ao cair em si, cai-se no mundo, junto com toda a criação. Do espanto de ver-se imenso, nasce a reverência, o estar com, não separado de, junto nessa vastidão que é a Vida.
É possível cair em si mesmo sem a ajuda de algo que nos revele a imensidão que está velada em mim? É possível, mas é muito difícil, porque enquanto a nossa cognição permanece associada e cria a sua identidade a partir dos objetos, o Ser permanece velado para aquele que vê. Eu sou o corpo, eu sou a emoção, eu sou alto, magro, triste, alegre. O Yoga é um saber de desconstrução, de negação dessa identidade e ao mesmo tempo uma afirmação de algo maior. Porém, esse algo maior não tem nome, não tem forma, ele simplesmente é. É uma abertura que permanece abertura enquanto tudo aparece e desaparece.
É muito difícil se desassociar das identificações com os objetos. Mais difícil ainda é voltar-se para o simples, sempre presente, e enxergar o que é. O Ser é o mais simples, porém, o que parece mais oculto.
O Yoga enquanto um saber que aponta para o aberto, existe nesse aberto. Os textos não são um somatório de vontades porque não há nada a ser criado ou inventado sobre o Ser. O Ser é a abertura onde a vontade incide e por vezes é o que a vontade almeja, mas ele mesmo, o Ser, permanece sempre como algo a ser reconhecido. Portanto, os textos de Yoga são palavras que apontam para essa abertura, que é inexprimível. Essa é a verdade que os textos falam. Não é uma verdade teórica, um conceito, uma crença religiosa ou um sistema filosófico. Portanto não é uma verdade no sentido fundamentalista ou que exclui, a palavra “verdade” é usada para descrever uma cognição. Nessa cognição, as palavras tem o papel, junto com a meditação e a reflexão, de desvelar o silêncio do Ser. Algo que não pode ser apreendido como um conceito, numa teoria ou a partir de um sistema de crenças. O Ser só consegue ser percebido como uma abertura, como aquilo que eu sou fundamentalmente.
A partir das Upanishads, podemos dizer que o papel do professor é, assim como os próprios textos, apontar para o Ser. É como apontar para o céu, para que a outra pessoa aprecie o vazio. É como apontar para o silêncio que tudo permeia, para que a pessoa escute o que já está presente.
Não é papel do professor dizer quem a pessoa é, ou o que ela deve ser, fora do âmbito do Ser.
Não é papel do professor dizer o que a pessoa deve fazer da sua própria Vida.
Não é papel do professor entender sobre todos os assuntos que dizem respeito à Vida e à Natureza.
Não é papel do professor querer ser um mestre ou se autointitular mestre.
O papel fundamental do professor, de acordo com os textos de Yoga, é apontar para o silêncio, para que a pessoa se veja.
O papel do professor, de acordo com os textos de Yoga, é apontar para o Ser, para que a pessoa se veja como a própria imensidão.
A partir desse espanto, no qual a cognição escorrega, do pequeno ao vasto, o pequeno em si se torna o imenso. Então a pessoa está livre. Livre da prisão da pequenez. Agora ela pode escolher, porque encontrou em si mesma um lugar, uma amplitude. O espanto é o contrário da vertigem. A vertigem do pequeno aprisiona. O espanto é o vislumbre da grandeza que liberta. Seguida do espanto, nasce a reverência. Reverência por todas as formas que habitam o mundo. Reverência pelo olhar e pelas palavras que ajudaram a pessoa a vislumbrar o que parecia oculto, mas que se mostra como aquilo que está sempre presente. Essa reverência ao professor não aprisiona, ela liberta, porque ela é fruto do reconhecimento da própria liberdade.
A relação entre professor e aluno que aprisiona, no Yoga, é aquela baseada não no reconhecimento do Ser, que é livre e indefinível, mas na personalidade. Aquele lado específico da personalidade do professor que, por carência ou arrogância, quer ser mestre. Isso é o que conduz ao engano de pensar que ele detém a verdade sobre os assuntos relativos à Vida. Essa relação aprisiona tanto o professor quanto o aluno.
A relação entre professor e aluno que aprisiona, no Yoga, é aquela baseada na forma, que crê na forma como mais importante do que o conhecimento que nos conduz ao reconhecimento de algo livre da forma. A forma é uma formalidade para que a pessoa vislumbre o aberto. O espanto é enxergar que a abertura é aquilo que eu sou. A clareira onde todas as formas surgem e desaparecem.
Podemos dizer que o lugar de professor como uma hierarquia fixa e absoluta, portanto, não existe. Ele é simplesmente um papel momentâneo a partir do qual algo acontece na relação entre professor e aluno, aluno e professor, em que ambos se veem como a abertura do Ser. Ambos saltam da forma para o espanto de se verem como uma pura luminosidade. Suas diferenças momentaneamente se dissolvem nesse olhar, para retornar à forma então modificados pela perspectiva da amplitude.
O habitual, o comum, se torna o extraordinário. A existência em si, o ser no mundo, em relação com todas as outras formas, é o extraordinário. Cada vivência ganha então a liberdade do olhar que descobriu o imenso em todas as coisas.
Professor, portanto, é aquele que aponta para o céu.
Tales Nunes