por Tales Nunes
O Yoga é muito mais do que uma prática corporal, é uma proposta de um estilo de vida. E como um estilo de vida, abarca não apenas o âmbito individual, mas o coletivo. Um indivíduo que tenha um comprometimento com uma vida de Yoga tem influência nas pessoas ao seu redor e no ambiente em que está inserido. Vejamos então como a prática de Yoga está vinculada a uma atitude de ativismo social.
Em meio às demandas sociais que estamos vendo ao nosso redor, é importante se perguntar, qual é o meu papel como yogi? E aqui terei o cuidado de trazer à tona duas ideias equivocadas sobre o Yoga e o papel social do yogi. Ideias, a meu ver, que colaboram para a alienação e para o afastamento dos próprios propósitos do Yoga.
Tenho escutado argumentos de que o amor resolve todos os problemas do mundo, o amor é a solução. O desdobramento desse argumento leva ao entendimento de que o yogi não deve se indignar, o yogi deve amar todos e não odiar. É preciso deixar claro, o amor é um estado de ser, o amor é ser. E faz parte de ser agir. O amor também se expressa através de ações. O yogi não é aquele que tenta resolver os problemas do mundo e os seus próprios apenas rezando. Não. A oração tem um papel e é uma expressão do amor, sim. Mas somos seres para o mundo e nele devemos agir, escolher, participar. E nas ações há conflitos e embates, apesar do amor. Não esqueçamos, Dalai Lama é o maior defensor da paz e do amor entre os seres, mas também é um ativista pelos direitos do Tibet. Swami Dayananda é um ícone do ensinamento de Vedanta e da não violência, mas por outro lado condena a intolerância religiosa que vê em seu país e é fundador do “Aim for Seva”, projeto social que leva a educação e condições dignas de vida para milhares de crianças indianas. E você acha que para coordenar projeto de tal porte na Índia ele não precisa enfrentar políticos, posicionar-se frente a ações equivocadas e agir?!
É importante reconhecermos que ódio é diferente de indignação. Ódio leva à separação e a mais ódio. A indignação não, a indignação é um motor para a ação transformadora. É possível muito bem compreendermos as pessoas, acolhermos as situações, mas apontarmos os equívocos e com a energia da indignação, agir para transformar o que estiver ao nosso alcance. Esse, podemos dizer, é o ativismo yogi. O Yoga não deve ser uma ferramenta de alienação, fazendo-nos nos cercar de argumentos equivocados que ajuda a manter injustiças e a ignorância.
Outro argumento associado ao Yoga equivocadamente e que pode nos confundir em relação ao nosso papel ativo na sociedade em que vivemos, é a ideia de que trabalho “espiritual” ligado ao Yoga é uma atitude interna, dando a entender que a única revolução possível é interna. Como se o engajamento não fosse papel do yogi ou como se o yogi estivesse acima disso, pois todo o seu trabalho é interno. O desdobramento desse entendimento equivocado é de que o yogi não deve se envolver.
O Yoga, em sua essência, tem como objetivo uma transformação pessoal. Digo pessoal para não dizer interna, pois ao assim dizer, já separamos o interno do externo e criamos uma dicotomia desnecessária e enganadora. O Yoga propõe uma mudança na visão que temos sobre nós mesmos e sobre o mundo. Vemo-nos como seres isolados e incompletos. Quando de fato nunca fomos separados do meio que estamos inseridos e somos já a completude que buscamos como qualidade nos objetos ao nosso redor. A separação é uma ilusão cognitiva. Nesse sentido, o Yoga propõe uma virada, uma mudança de olhar. Uma transformação na maneira de ver o mundo que na verdade nela já está implícita uma mudança na maneira de agir. Não há como separar uma coisa da outra. A separação se dá apenas no âmbito do entendimento do processo, mas não na vivência.
A partir do conhecimento sobre si mesmo que vem atrelado ao Yoga, apoiado também numa conduta ética, o objetivo é fazer o indivíduo descobrir algo muito novo, um espaço de conforto em si mesmo. Essa descoberta tem um impacto profundo tanto no indivíduo quanto na sociedade ao seu redor. Um deles é o reconhecimento de que a fazemos parte do todo e esse todo inclui a sociedade na qual se que está inserido. As suas ações não vem do nada e não vão para o nada, reverberam no outro e em si mesmo. Por isso devemos agir com consciência e atentos às demandas da comunidade na qual vivemos. Em vez de tirar a responsabilidade pessoal e social de nós, o Yoga reforça-as em cada um. Portanto, o Yoga não diz respeito apenas a uma transformação interna, pois a transformação pessoal conduz a uma mudança na ação.
Um impacto fundamental na ética yogi é a consciência de que há uma diferença fundamental entre executar ações e buscar conquistas movidos por uma pressão interna, seja ela causada por medo, insegurança ou insatisfação pessoal ou psicológica; e executar ações e buscar conquistas com uma atitude interna de apreciação, trazida pela compreensão do seu papel no mundo e pela descoberta de um espaço de conforto em si mesmo.
Mas esse espaço de conforto não é acomodação. Não é contrário ou antagônico à indignação. O yogi não é um “neutro” ou aquele que não sente, não se indigna ou que foge à ação. Esse espaço de conforto é um espaço de entendimento que nos cria condições para agir com mais clareza e auto-responsabilidade. Construímos a nós mesmos e o mundo em cada ação. Essa é a consciência que traz o Yoga. E a omissão já é uma ação e tem seus resultados. O yogi é a pessoa que tem consciência de que faz a diferença, pois todos fazemos, mesmo na omissão. A escolha é de como você fará a diferença. E é justamente nesse ponto que entra o Yoga, tocando as pessoas e mobilizando-as a mudar, a fazer diferente, a fazer mais consciente, tanto nas reivindicações que devemos fazer, quanto nas demandas que precisamos colaborar.
Texto originalmente publicado na edição 41 dos Cadernos de Yoga
Tales Nunes