Por Tales Nunes
Para traçarmos uma relação entre a poesia e o Yoga, primeiro é importante definirmos quem é o poeta. O poeta é aquele que tem uma sensibilidade ao mundo, ao tempo em que vive, as pessoas ao seu redor e, especialmente, a si mesmo e as transformações da vida. O poeta é aquele que tem uma mente contemplativa e que tem a capacidade de observar o mundo com admiração. Ele lança um olhar diferente sobre o que todos olham como trivial e tem a capacidade de transformar o seu olhar em poesia, sentimento ou visão compartilhada. O poeta consegue transformar em poema não apenas uma gota de orvalho, o canto de um pássaro, mas também o sofrimento alheio, a desigualdade social, as angústias e questionamentos da vida humana. “Porque o seu coração é uma porta batendo a todas as forças do universo”, como disse Mário Quintana.
A poesia, portanto, é a expressão dessas portas batendo. É o mundo refletido no coração do poeta. Se o poeta é o veículo da poesia, as palavras são o veículo do poema. As palavras são símbolos que carregam consigo um significado. Essas palavras devem ser cuidadosamente dispostas, em seu sentido, rima e pausa, para que o sentido que o autor quis dar seja o sentido percebido pelo leitor. As palavras tocam os ouvidos e o coração, transformam e revelam. Por isso, as palavras devem ser tão bem colocadas e cuidadosas quanto um toque. Esse toque não revela nada novo, os poemas não dizem nada novo, eles revelam algo, uma percepção, um sentimento, que sempre esteve ali, porém adormecido:
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti …
(Mário Quintana)
É o reflexo de si mesmo que é visto no poema. O poema é revelador, revelador de si mesmo. Assim também acontece com o Yoga. O Yoga não nos fala nada novo. Ele revela o que nós somos fundamentalmente. Porém o Yoga, diferente da maior parte dos poetas e poesias, nos revela uma visão do ser humano como plenitude, como sendo a felicidade que buscamos fora. Estudamos o Yoga e, como num espelho, ali nos vemos e vemos a natureza do mundo refletida. Nesse processo de nos enxergarmos, precisamos das pausas, da reflexão, para assimilarmos o que o Yoga nos revela, assim como acontece na leitura de uma poesia, e no próprio poema. A pausa, na poesia e no Yoga, representa o distanciamento, o intervalo para a reflexão, para a assimilação. A pausa e a reflexão são fundamentais no processo de compreensão de qualquer coisa na vida. Em todos os tipos de aprendizado, há o processo de compreensão de objetos, no caminho do autoconhecimento há uma reflexão sobre o sujeito. Portanto, consiste num movimento de distanciamento que, por fim, aproxima, pois é revelador de si mesmo. E é revelador de si mesmo como plenitude e paz, portanto é um conhecimento que tranqüiliza e liberta.
Há poetas que são filhos do seu tempo, que escreveram poemas que refletem a sua época e local em que viveram. E há poetas que são filhos da humanidade. Estes escreveram poemas que refletem o próprio ser humano e sua busca fundamental. Os poetas yogis certamente estão no segundo grupo, pois o Yoga fala para qualquer ser humano. Grandes yogis transmitiram a visão do Yoga através de poemas, como Shankaracharya, Ramana Maharish.
O conhecimento do Yoga deve conduzir o yogi a ter uma mente contemplativa, apreciativa do mundo e de si mesmo. Nesse sentido, a visão do yogi se confunde com a do poeta, que se admira com a maravilha das pequenas coisas, com a beleza da vida e tem uma empatia natural pelo sofrimento humano.
Tales Nunes